O poder de acabar com uma pandemia

As lideranças do G20, grupo das 20 maiores economias do mundo, que se reúnem nos dias 9 e de 10 de setembro na Índia, têm o poder de garantir que o mundo acabe com pandemia da AIDS como ameaça à saúde pública, salvando milhões de vidas ao possibilitar que as inovações tecnológicas em saúde em curso alcancem todas as pessoas que delas necessitam. 

Estamos vivendo um momento repleto de oportunidades transformadoras para acabar com a AIDS de uma vez por todas. Novas e emergentes tecnologias de saúde, incluindo as chamadas “de longa duração”, têm o potencial de substituir a necessidade de uma dose diária de medicamento por uma injeção que perdura por meses. Ampliar o acesso a essas novas opções é crucial para que as pessoas não sejam excluídas do suporte que pode salvar vidas. 

Juntas, essas tecnologias têm o poder de proteger milhões de pessoas a mais contra a infecção pelo HIV e permitir que outros milhões vivendo com o vírus iniciem e continuem o tratamento. Para muitas pessoas, o acesso a essas tecnologias de longa duração pode significar a diferença entre a vida e a morte. 

Por coincidência, Índia, Brasil e África do Sul – os anfitriões do G20 em 2023, 2024 e 2025, respectivamente – estão liderando o esforço para abrir o acesso a essas tecnologias para todas as pessoas. Isso oferece uma oportunidade para que planos sejam acordados e implementados. 

A Farmácia para o Sul Global 

A Índia possui uma vasta experiência no desenvolvimento farmacêutico. Como o terceiro maior produtor de produtos farmacológicos do mundo, ela frequentemente é chamada de a “farmácia do Sul Global,” uma conquista possibilitada pelo uso pleno das flexibilidades do Acordo sobre Aspectos dos Direitos de Propriedade Intelectual Relacionados ao Comércio (TRIPS) para produzir medicamentos genéricos. Estima-se que tenham sido evitadas globalmente cerca de 16,5 milhões de mortes relacionadas à AIDS desde 2001, graças principalmente a medicamentos genéricos produzidos na Índia. 

Durante a pandemia de Covid-19, o programa “Vaccine Maitri” da Índia distribuiu mais de 235 milhões de doses de vacina para 98 países de baixa renda. Por meio de iniciativas em parceria com a OMS, Fundo Global, PEPFAR, UNITAID, UNICEF, ministérios da saúde e organizações não-governamentais, a Índia está comprometida, como afirma o Primeiro-Ministro Narendra Modi, em “tornar o atendimento médico acessível e acessível, não apenas para nossos cidadãos, mas para o mundo inteiro”. 

Pionerismo brasileiro 

O Brasil tem sido pioneiro na criação de um programa nacional para distribuir antirretrovirais para pessoas vivendo com HIV. Com capacidade suficiente para produzir localmente alguns medicamentos contra o HIV e um robusto sistema interno de logística para alocar medicamentos, além de um substancial poder de compra, o Brasil liderou as negociações por preços melhores com empresas farmacêuticas originais.  

Além disso, uma combinação de vontade política, engajamento da sociedade civil, políticas de saúde pública baseadas em princípios de direitos humanos e um ambiente legal favorável levaram o país a fazer uso das flexibilidades do TRIPS, incluindo licenças compulsórias, para ampliar o acesso ao mercado de genéricos de antirretrovirais essenciais. A Lei de Medicamentos Genéricos incentiva o acesso e a disponibilidade de medicamentos acessíveis e de qualidade assegurada. 

O Brasil também está impulsionando a transferência de tecnologia entre empresas farmacêuticas privadas e públicas por meio da iniciativa “Parcerias Produtivas para o Desenvolvimento.” O Presidente Luiz Inácio Lula da Silva enfatizou o compromisso global do Brasil em promover o acesso a medicamentos para todos e reduzir as desigualdades. 

Tratamento para milhões 

A promulgação da Lei de Emendas ao Controle de Medicamentos e Substâncias Relacionadas na África do Sul em 1997 abriu caminho para o uso global de antirretrovirais genéricos. Atualmente, a África do Sul supervisiona o maior programa do mundo, oferecendo tratamento a milhões de pessoas. O Presidente Cyril Ramaphosa desafiou o que chamou de “Apartheid das Vacinas” na crise da Covid-19: “O que é mais importante”, ele perguntou na conferência de financiamento em Paris, “a vida ou os lucros das grandes empresas farmacêuticas?” 

Em julho de 2021, foi lançado na África do Sul o Programa de Transferência de Tecnologia de RNA mensageiro, juntamente com fabricantes de 15 países de baixa e média renda, visando melhorar a segurança da saúde por meio da produção sustentável e regional de vacinas. 

Juntos, esses países estão instando o mundo a reconhecer que as tecnologias de saúde são um bem público global e que expandir sua produção e reduzir os custos de produção – tornando assim as tecnologias de saúde mais acessíveis – é um benefício para o mundo inteiro. 

Compartilhamento de tecnologia 

As pandemias não conhecem fronteiras. Com muita frequência, o mundo demora demais para aprender essa lição. Acumular produtos médicos essenciais na pandemia de Covid-19 permitiu o surgimento de novas variantes, a morte de milhões, uma crise econômica global, sistemas de saúde sobrecarregados e insegurança global.  

A falta de compartilhamento de tecnologias de saúde para o HIV de meados da década de 1990 até o início dos anos 2000 custou mais de 12 milhões de vidas. A provisão de antirretrovirais genéricos permitiu ao mundo reduzir o preço dos medicamentos contra a AIDS em 99%, ajudando três quartos das pessoas com HIV a receber tratamento hoje, muitos por meio de programas apoiados pelos membros do G20. 

Para concluir o trabalho, novas tecnologias de saúde relacionadas ao HIV devem estar amplamente disponíveis. Até agora, uma dessas tecnologias foi compartilhada por uma empresa, com um conjunto de 90 países, depois que ela havia começado no Norte Global, após pressão pública.  

Mas para acabar com a AIDS, todas as novas e emergentes tecnologias relacionadas ao HIV devem ser compartilhadas por todas as empresas com todos os países de baixa e média renda. Deve haver transferência de conhecimento e compartilhamento de tecnologia durante as fases iniciais do ciclo de pesquisa e desenvolvimento, não apenas depois que os medicamentos se tornarem disponíveis para pessoas em países ricos. Governos, que financiam grande parte da pesquisa, reguladores e compradores, devem insistir nisso. 

Os governos também devem cooperar para explorar os benefícios da fabricação farmacêutica regional e local; como mais países podem aproveitar as flexibilidades do TRIPS para produzir, importar e exportar medicamentos genéricos; como tornar o compartilhamento de tecnologias e direitos patenteados uma prática comum; e como aumentar o investimento do setor público em pesquisa e desenvolvimento, dando aos governos uma alavancagem maior sobre o preço e a disponibilidade de novas tecnologias de saúde. 

Podemos acabar com a AIDS como ameaça à saúde pública até 2030 e estar prontos para as pandemias que virão. Mas, para isso, as inovações tecnológicas em saúde que estão em andamento têm de estar acessíveis a todas as pessoas que delas necessitam. Juntas, as lideranças do G20 podem escolher salvar milhões de vidas e garantir a segurança de saúde de todos nós. 

Winnie Byanyima
Diretora Executiva do UNAIDS 

Uma versão deste texto foi publicada originalmente pelo The Global Governance Project. 

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