A 52ª reunião do Junta de Coordenação do Programa do UNAIDS (PCB) encerrou nesta quinta-feira, 29, em Genebra, na Suíça, com demonstração de forte apoio ao financiamento integral do Programa Conjunto e um compromisso em superar as barreiras para acabar com a AIDS como ameaça à saúde pública até 2030.
Em seu discurso de abertura, a diretora executiva do UNAIDS, Winnie Byanyima, descreveu a resposta à AIDS como “sob severa pressão”, devido aos múltiplos desafios causados pelo que tem sido chamado de ‘policrise’.
Winnie destacou que em 2021, os pagamentos da dívida dos países mais pobres do mundo atingiram 171% de todos os gastos com saúde, educação e proteção social combinados, sufocando suas capacidades de resposta ao HIV.
Winnie também chamou a atenção para os grandes desafios relacionados a uma ampla gama de questões de direitos humanos no mundo, incluindo os direitos das mulheres e a igualdade de gênero, saúde sexual e reprodutiva, os direitos humanos das pessoas LGBTQIA+, a liberdade de associação da sociedade civil, entre outros.
“Os desafios dos direitos humanos afetam nossa capacidade de conectar as pessoas aos serviços de saúde para controlar a AIDS e todas as pandemias”, disse Byanyima. “Devemos interromper e reverter essas questões prejudiciais. Para isso, é necessário financiamento a longo prazo, pois tais esforços têm sucesso ao longo do tempo e o financiamento é crucial para que possamos nos manter à frente da curva.”
Ela fez um apelo à solidariedade global e a um compromisso renovado de todas as parcerias para concluir o trabalho de acabar com a AIDS definitivamente. “O trabalho que fazemos em união para acabar com a AIDS não é apenas crucial para superar as pandemias de maneira ampla. A resposta global à AIDS é o caminho para avançar no progresso em relação a outros Objetivos de Desenvolvimento Sustentável (ODS)”, ressaltou.
Winnie mencionou, ainda, que apenas 12% dos ODS estão no caminho certo e que um dos únicos exemplos de progresso é em relação à conquista do ODS 3 – Assegurar uma vida saudável e promover o bem-estar para todas as pessoas, em todas as idades – e especificamente o progresso feito em relação ao ODS 3.3, que inclui acabar com a AIDS.
Em relação ao anúncio feito pelo Reino Unido, em 2022, sobre o aumento do financiamento ao UNAIDS de £2,5 milhões, em 2021, para £8 milhões em 2022, o país reafirmou seu compromisso para 2023, em manter o financiamento no valor de £8 milhões, notícia muito bem recebida pelo UNAIDS.
Também foi anunciado um compromisso plurianual de 10 milhões de euros ao UNAIDS por parte da Irlanda.
Winnie enfatizou os enormes esforços que o UNAIDS tem feito para reduzir custos, incluindo uma redução de 10% nos custos totais com funcionários e a reconfiguração do apoio regional aos países do Leste Europeu e Ásia central, bem como no Oriente Médio e Norte da África.
Apesar desses esforços, ela levantou sérias preocupações sobre o déficit de US$ 51 milhões em relação ao orçamento central do UNAIDS de US$ 210 milhões, evidenciando que foram esgotadas todas as opções para alcançar uma maior eficiência na entrega da organização: “não há margem para ‘fazer mais com menos'”.
Um segmento temático foi realizado no último dia da reunião do PCB, focado nas populações-chave e prioritárias, especialmente pessoas trans e travestis, e o caminho para as metas de 2025.
Isso proporcionou ao PCB a oportunidade de discutir as desigualdades que impedem o progresso na resposta à AIDS para populações-chave e como a resposta ao HIV pode reduzir de forma mais eficaz o risco e os impactos do vírus entre essas populações.
Erika Castellanos, diretora de Programas na Global Action for Trans Equality, compartilhou sua história de crescer como pessoa trans e sua experiência de viver com HIV.
Ela falou sobre os grandes desafios que enfrentou durante sua vida e por que dedicou-se a ajudar outras pessoas. Seu discurso foi aplaudido por todo o Conselho.
“Precisamos fazer mais. Precisamos parar de demonizar, sexualizar e odiar pessoas trans e de outras identidades de gênero”, disse Castellanos. “Mais do que pessoas aliadas, precisamos que nossos semelhantes, nossa família, nossas amizades, colegas de trabalho, nos vejam como iguais, não como diferentes. Quando vemos o mundo por meio da lente do que nos une, em vez da que nos divide, temos uma chance muito maior de melhorar as vidas, a saúde e os direitos humanos de todas as pessoas nesta terra. Afinal, não é isso que realmente queremos acima de tudo? Amar e ser amados?”.
Durante as discussões temáticas, também aconteceu a intervenção de Edwin Cameron, que atuou como juíz da Corte Constitucional da África do Sul.
Ele instigou os países a “criarem um ambiente jurídico que permita um sistema judiciário que não incapacite grupos marginalizados e vulneráveis. Utilizar a lei para capacitar, em vez de oprimir. Isso significa, abolir leis criminais punitivas e moralistas. Significa igualdade perante a lei”.
Ao refletir sobre o quão centrais são as respostas lideradas pela comunidade na resposta ao HIV, a delegação não governamental do PCB lembrou a todas as pessoas presentes que as comunidades “não são apenas alvos de intervenções, somos a própria intervenção”.
A reunião do PCB também proporcionou a oportunidade de lançar o Manual de Práticas Promissoras sobre o papel das intervenções da comunidade de fé africana na resposta ao HIV pediátrico e adolescente.
A prevalência do HIV entre crianças e adolescentes na África continua sendo uma questão muito preocupante, assim como o acesso ao tratamento, onde mais de 75% de pessoas adultas que vivem com HIV têm acesso, em comparação com apenas 50% das crianças.
O Manual destacará modelos bem-sucedidos e melhores práticas implementadas por organizações baseadas na fé, a fim de compartilhar conhecimento e fortalecer a resposta ao HIV para crianças e adolescentes.
O UNAIDS Brasil também esteve presente na reunião do PCB. Ariadne Ribeiro Ferreira, oficial de Igualdade e Direitos, participou do painel sobre estigma chamando a atenção para a importância de abordar as barreiras estruturais e sociais que aumentam o peso do HIV sobre as mulheres trans.
Também defendeu que é preciso advogar por políticas que protejam os direitos das pessoas trans, que promova inclusão, respeito e igualdade.
“Não são apenas as pessoas trans que pagam o preço, todos nós o fazemos”, disse Ariadne. “Cada pessoa adolescente LGBTQIA+ forçada a sair de casa é uma perda para a sociedade. No UNAIDS, trabalhamos incessantemente para que ninguém seja deixado para trás”, completou.
A reunião do PCB foi presidida pela Alemanha, com o Quênia na vice-presidência e o Brasil na relatoria.
O relatório da direção executiva do UNAIDS para o Conselho, a agenda e as decisões do PCB podem ser encontrados neste link (em inglês).
A próxima reunião do PCB acontecerá em Genebra, na Suíça, entre os dias 12 e 14 de dezembro de 2023.