O UNAIDS parabeniza o governo chileno pelo reconhecimento público da responsabilidade internacional no caso emblemático de violações dos direitos de mulheres que vivem com o HIV e que foram esterilizadas sem consentimento.
O presidente do Chile, Gabriel Boric Font, emitiu um pedido de desculpas público como parte de um acordo resultante de um caso apresentado à Comissão Interamericana de Direitos Humanos (CIDH) contra o Chile por Francisca, uma mulher chilena que vive com HIV e que foi esterilizada sem seu consentimento pouco tempo depois de ter dado à luz, em 2002.
“Saudamos o reconhecimento da responsabilização internacional neste caso emblemático de violações de direitos humanos que as mulheres que vivem com HIV, e sua autonomia reprodutiva, sofrem há muito tempo”, diz Luisa Cabal, diretora regional do UNAIDS para a América Latina e Caribe. “Esta decisão coroa uma jornada de mais de 10 anos, tanto para Francisca, quanto para as organizações que a acompanharam, em sua busca por justiça.”
Quando Francisca—que vivia em uma cidade na região rural do Chile—completou 20 anos de idade, ela e o seu parceiro receberam a feliz notícia da chegada do primeiro filho. Por meio de um teste pré-natal de rotina, ela teve o diagnóstico positivo para HIV. Francisca tomou todas as medidas apropriadas para minimizar o risco de transmissão vertical do HIV e deu à luz um bebê sem o vírus em novembro de 2002. No entanto, no dia seguinte à cesariana, ela recebeu a notícia devastadora de que o médico que a operou havia decidido esterilizá-la durante o parto sem seu consentimento.
Em 2009, o Centro de Direitos Reprodutivos e a organização chilena Vivo Positivo levaram o caso de Francisca à CIDH. Este caso fazia parte de uma documentação de histórias de mulheres chilenas vivendo com HIV que eram frequentemente pressionadas a não engravidar e a submeter-se à esterilização cirúrgica. Uma das histórias documentadas contava história de outra mulher, identificada como Daniela, que, após o parto, havia sido informada de que não poderia abraçar ou beijar sua criança porque poderia transmitir o HIV ao bebê. Em entrevistas, ela disse que foi dessa forma que entendeu o que era a discriminação.
Após mais de uma década de litígios internacionais e depois de a CIDH ter estudado o caso, foi assinado um acordo de resolução amigável com o Estado chileno, no qual o governo aceitou a sua responsabilidade e se comprometeu a corrigir as violações e a tomar medidas para assegurar que tais atos não voltassem a acontecer.
O UNAIDS interveio neste caso com um amicus curiae, uma parte independente que provê informações relevantes para o caso, e neste papel trouxe informação para a CIDH sobre as diretrizes sanitárias e as normas de direitos humanos que cada país deve seguir para respeitar, proteger e garantir os direitos humanos das pessoas que vivem com o HIV.
“Gostaria de começar por pedir desculpa a Francisca que, segundo fui informado, está do outro lado da câmera, pela grave violação de seus direitos e também pela negação da justiça, e por todo o tempo que teve de esperar por isto”, disse Boric em seu discurso de abertura durante a cerimônia oficial, transmitida ao vivo por meio de redes sociais. “Quantas pessoas como você não conhecemos? Dói pensar que o Estado, que hoje tenho a honra de representar, é responsável por estes casos. Prometo a você, e às pessoas que hoje te representam aqui pessoalmente, que enquanto governarmos, daremos o melhor de cada um de nós, como autoridades, para que situações como esta não voltem a acontecer e certamente para que, nos casos em que estas atrocidades já tenham sido cometidas, que sejam devidamente reparadas.”
“Gostaria de ter sido eu, com a minha voz, o meu rosto e o meu corpo, o mesmo após tantos anos de luta esteve presente, para liderar este ato em meu próprio nome. No entanto, tornar a minha identidade conhecida teria me fechado diversas oportunidades”, disse Carmen Martinez, diretora associada de Estratégias Jurídicas para a América Latina e Caribe do Centro para os Direitos Reprodutivos, ao ler as palavras partilhadas por Francisca à audiência. “Até hoje, as pessoas que vivem com HIV são olhadas com desprezo como se fosse nossa decisão sermos infectadas. Entretanto, quero acreditar com convicção que isto vai mudar.”
“Finalmente, foi feita justiça; por meio deste caso apelamos a todos os governos para que continuem a investir na erradicação da discriminação do HIV em todos os serviços, incluindo os cuidados de saúde”, disse Sara Araya, coordenadora do Live Positive Gender. “A mensagem é clara: a autonomia e a integridade física das mulheres e de todas as pessoas que vivem com o HIV devem ser asseguradas sem discriminação. É preciso acabar de vez com as violações de direitos contra as mulheres que vivem com o HIV.”
O estigma e a discriminação relacionados ao HIV têm um impacto significativo na saúde, na vida e no bem-estar das pessoas que vivem com – ou em risco de se infectar – com o HIV. O estigma e a discriminação dificultam a resposta ao HIV, limitando o acesso a serviços de saúde sexual e reprodutiva mais amplos e a outros serviços de saúde. O UNAIDS continua a trabalhar diariamente para assegurar que governos invistam na prevenção e resposta às violações relacionadas às diferentes formas de discriminação interseccional a que as pessoas que vivem com o HIV têm sido sujeitas.
“Este acordo é um momento significativo para as mulheres de todo o mundo, que lutam há décadas pela justiça reprodutiva. A esterilização forçada das mulheres que vivem com HIV é uma violação dos direitos humanos mais fundamentais das mulheres”, disse a diretora executiva do UNAIDS, Winnie Byanyima.
“Infelizmente, esta prática ainda está acontecendo em muitos países e os esforços para a impedir e trazer justiça a mais mulheres devem ser intensificados.”
O acordo com o governo do Chile surge após anos de esforços perante a CIDH, após uma queixa anterior no sistema de justiça chileno não ter sido bem-sucedida. O caso foi litigado pela organização chilena Vivo Positivo e pela organização internacional de direitos humanos Center for Reproductive Rights.
A Estratégia Global AIDS 2021-2026: Acabar com as Desigualdades. Acabar com a AIDS é baseada na promoção dos direitos humanos, igualdade de gênero e dignidade, livre de estigma e discriminação para todas as pessoas que vivem com e/ou são afetadas pelo HIV. É um compromisso do UNAIDS para uma visão ambiciosa de acabar com as desigualdades de gênero e garantir os direitos humanos, incluindo o direito à saúde, apelando para todas as parcerias e partes interessadas na resposta ao HIV em todos os países para que deem uma resposta efetiva às normas desiguais de gênero e acabem com o estigma e a discriminação.