“Mudamos nossa maneira de pensar e nossa atitude em relação às pessoas que vivem com o HIV. Na floresta, não falamos sobre isso e a cada dia vemos mais e mais pessoas vivendo com o vírus”, disse Aurora Coronado, integrante da Federação Nacional de Mulheres Camponesas, Artesãs, Indígenas, Nativas e Salariadas do Peru.
A Fenmucarinap, como é conhecida por sua sigla em espanhol, está entre as 61 organizações que receberam fundos do UNAIDS através de uma iniciativa chamada Soy Clave: de las Comunidades para las Comunidades (Sou Chave: das Comunidades para as Comunidades, em tradução livre) desde seu lançamento em maio de 2020. Os recursos apoiam soluções lideradas pela comunidade na resposta ao HIV durante a pandemia de COVID-19. “O projeto nos permitiu compartilhar conhecimentos e aprender mais sobre o HIV”, afirmou Aurora Coronado. “Agora o conhecimento está sendo compartilhado. Agora falamos do coração às pessoas jovens que vivem com o HIV e muitas estão cuidando de si mesmas e tomando seu tratamento”, finaliza.
A quase 5 mil km do projeto na floresta peruana, na Penitenciária Santa Martha Acatitla no México, outra iniciativa liderada pela comunidade também foi implementada no primeiro ano da pandemia. “Podemos dizer que, basicamente, salvamos a vida de pessoas que geralmente são esquecidas, especialmente em momentos como estes”, disse Georgina Gutiérrez, do Movimento Mexicano pela Cidadania Positiva, cujo projeto foi implementado na mesma instituição que seu marido esteve preso por oito anos. “Através desta iniciativa, pudemos apoiar uma população que carece basicamente de tudo, especialmente de dignidade.”
Estes projetos são exemplos de como pequenos fundos catalisadores podem fazer a diferença e trazer um impacto positivo para comunidades inteiras, especialmente em momentos de extrema vulnerabilidade e desigualdades exacerbadas. Através da iniciativa Soy Clave, o UNAIDS e organizações parceiras se concentram em oferecer apoio a projetos liderados pela comunidade em torno de três pilares: prevenção da transmissão de COVID-19, continuidade da resposta ao HIV e defesa dos direitos humanos e prevenção do estigma, discriminação e violência contra pessoas vivendo com ou afetadas pelo HIV e pela COVID-19.
A região da América Latina e Caribe enfrenta desigualdades que são profundas e generalizadas e inclui países mais desiguais do que aqueles de outras regiões com níveis de desenvolvimento semelhantes, de acordo com relatórios recentes do Banco Interamericano de Desenvolvimento (BID) e do escritório da América Latina e Caribe do Programa das Nações Unidas para o Desenvolvimento (PNUD).
A primeira fase da iniciativa de US$ 300 mil foi lançada em julho de 2020, em resposta às evidências de várias pesquisas regionais on-line realizadas pelo UNAIDS desde o início da pandemia de COVID-19. Os subsídios foram inicialmente distribuídos entre 31 projetos, 10 dos quais também foram financiados com o apoio dos copatrocinadores do UNAIDS através de seus escritórios regionais— o Fundo de População das Nações Unidas (UNFPA) ajudou a financiar quatro projetos, enquanto o Fundo das Nações Unidas para a Infância (UNICEF), o Programa Mundial de Alimentação (WFP) e o PNUD financiaram dois projetos cada um.
Dados das 31 iniciativas da primeira fase de subsídios coletados até julho de 2021 pelo Escritório Regional do UNAIDS para a América Latina e o Caribe mostram que mais de 700 mil pessoas na região já haviam sido alcançadas através das atividades dos projetos. No total, os projetos liderados pela comunidade proporcionaram mais de 270 soluções comunitárias que tiveram um impacto direto, por exemplo, no fortalecimento dos serviços de saúde, no treinamento de comunidades e populações vulneráveis, na conscientização das questões-chave relacionadas ao HIV à COVID-19 e na prevenção e mitigação da COVID-19.
Recentemente, o UNAIDS lançou uma segunda fase de financiamento para 30 iniciativas lideradas pela comunidade, alcançando um total de 61 projetos em 19 países (Argentina, Brasil, Bolívia, Chile, Colômbia, Costa Rica, República Dominicana, Equador, El Salvador, Guatemala, Guiana, Honduras, México, Nicarágua, Panamá, Paraguai, Peru, Uruguai e Venezuela).
“A partir de 40 anos de experiência na resposta ao HIV, aprendemos que a sociedade civil e as iniciativas lideradas pela comunidade são essenciais para alcançar as pessoas mais vulneráveis. Tínhamos razão quando decidimos investir nestas organizações durante a pandemia de COVID-19 porque elas apresentaram resultados e provaram que são cruciais para a resposta a ambas as pandemias”, disse Alejandra Corao, diretora a.i. do Escritório Regional do UNAIDS para a América Latina e Caribe.
“Parabenizo as organizações selecionadas em 2020 e espero que as 30 selecionadas para a segunda fase de financiamento também tenham o mesmo sucesso em alcançar as pessoas mais vulneráveis nestes tempos desafiadores para nossa região.”
Alejandra Corao, diretora a.i do Escritório Regional do UNAIDS para América Latina e Caribe
A fase de implementação destes novos projetos selecionados irá até dezembro de 2021. Todas as iniciativas foram selecionadas por um comitê conjunto formado pelo Escritório Regional do UNAIDS para a América Latina e o Caribe e pelos escritórios regionais do UNICEF, WFP, PNUD, UNFPA, UNESCO e OPAS/OMS.
Mais de 200 organizações de língua espanhola e 70 de língua portuguesa participaram de oficinas virtuais organizadas pelo UNAIDS para orientar as organizações lideradas pela comunidade nas candidaturas à iniciativa Soy Clave e na criação de projetos e na definição de objetivos para os fundos de US$ 5 mil.
Impacto nas comunidades
A ativista para o HIV Marcela Alsina, de Honduras, que implementou um projeto regional com a Associação Para Uma Vida Melhor (APUVIMEH) e o Movimento Latino-Americano de Mulheres Positivas (MLCM+), ressaltou que os fundos permitiram que as organizações realizassem uma pesquisa on-line em oito países e reunissem dados para definir suas linhas estratégicas de ação. “Soubemos que 35% das mulheres pesquisadas nesses países sofreram algum tipo de violência baseada em gênero ou institucional durante a pandemia de COVID-19”, disse ela.
Pelo menos 23% de todo o financiamento foi destinado às mulheres. Os fundos também foram distribuídos entre projetos voltados às populações-chave e mais vulneráveis, incluindo povos indígenas, comunidades afrodescendentes e pessoas em mobilidade.
“Graças a este financiamento, nosso projeto, Hablemos Positivo (Falemos Positivo, em tradução livre), entregou 450 kits de saúde sexual e reprodutiva e organizou palestras sobre promoção da saúde, prevenção ao HIV, infecções sexualmente transmissíveis e COVID-19”, disse Danilo Manzano, da iniciativa Diálogo Diverso, no Equador. “Também divulgamos uma campanha de comunicação nas mídias sociais para aumentar a conscientização sobre os direitos humanos de lésbicas, gays, bissexuais, pessoas trans, pessoas intersex em mobilidade, assim como pessoas vivendo com HIV.”
“Não é fácil conseguir financiamento para trabalhar com mulheres, especialmente mulheres que vivem com HIV na América Latina”, disse Kattia López, da Comunidade Internacional de Mulheres Vivendo com HIV/AIDS na Costa Rica, que desenvolveu grupos de trabalho virtuais com mais de 60 mulheres vivendo em condições vulneráveis e que sofreram violência de seus parceiros durante os estágios iniciais da pandemia. “Vimos que este projeto nos dá a luz para alcançar as mulheres que ninguém mais alcança e transformar suas realidades. Não vamos deixar nenhuma delas para trás. Investir nas mulheres sempre compensa.”