Durante 10 dias, Brasília sediou o HIVIDA, que reuniu 23 atividades públicas e gratuitas pensadas para colocar o HIV/AIDS de volta ao topo da agenda pública.
Entre 1º de dezembro (Dia Mundial de Luta contra a AIDS) e 10 de dezembro (Dia Internacional dos Direitos Humanos), o público teve acesso a exposição fotográfica, mostra de filmes, rodas de conversa e workshops, homenagem a Cazuza e um show reunindo artistas representativos dos direitos humanos.
O Projeto HIVIDA foi lançado pelo UNAIDS com diversas parcerias, lideradas pelo Ministério da Saúde, com o objetivo de celebrar os avanços que possibilitam que uma pessoa vivendo com HIV/AIDS, em tratamento, tenha uma vida mais saudável.
Também buscou reconhecer o papel fundamental das pessoas, comunidades e organizações da sociedade civil que, por sua mobilização constante, orientam, pressionam e fiscalizam para que esses avanços alcancem todas as pessoas, sem deixar ninguém para trás.
O HIVIDA buscou, também, deixar claro que ainda há um caminho a percorrer para que o Brasil seja um dos primeiros países do mundo a acabar com a AIDS como problema de saúde pública até 2030.
Basta lembrar que, segundo dados do Ministério da Saúde, em 2022, aproximadamente 300 mil pessoas vivendo com HIV ainda não haviam alcançado a supressão viral, obtida por meio do tratamento com antirretrovirais e acompanhamento médico. Muitas delas não sabem ainda que estão infectadas, e outras, apesar de saber, não conseguem iniciar ou manter-se no tratamento.
Nesse mesmo ano, houve 43 mil novas infecções por HIV no Brasil, impactando principalmente as juventudes entre 15 e 29 anos. Também ocorreram 11 mil mortes em decorrência da AIDS, com um impacto maior sobre a população negra. Cada uma dessas mortes poderia ter sido evitada.
“O HIVIDA procurou mostrar que a combinação perversa entre desigualdades, estigma e discriminação constrói barreiras, muitas vezes intransponíveis, que impedem pessoas e comunidades em maior vulnerabilidade de conhecer, acessar e permanecer usufruindo todas as ferramentas de resposta ao HIV e à AIDS oferecidas no Brasil pelo SUS”, explica Claudia Velasquez, diretora e representante do UNAIDS no Brasil.
No Espaço Cultural Renato Russo, as atividades incluíram a exposição fotográfica “A Potência em Imagens”, trazendo um ensaio do fotógrafo americano Sean Black com travestis e mulheres trans residentes na Casa Florescer/SP, um centro de acolhimento de São Paulo. O local recebeu também o primeiro Congresso das Mães da Resistência, uma associação que presta apoio e defende os direitos de mães, pais e familiares de pessoas LGBTQIAPN+.
O jornalista Fábio Turci, com sua bagagem de mais de 23 anos de experiência como repórter e apresentador na TV Globo, compartilhou sua mais nova empreitada, o podcast “Existo”, que dá voz a pessoas invisibilizadas pelas desigualdades, estigma e discriminação. Um momento particularmente emocionante foi protagonizado pela pesquisadora Abra T. e o escritor e jornalista Jean Wyllys na roda de conversa sobre “Movimentos Antigênero pelo Mundo”, facilitado por Ariadne Ribeiro, oficial de Igualdade e Direitos do UNAIDS Brasil.
O UNICEF trouxe várias atividades, incluindo a apresentação do bem-sucedido projeto “Viva Melhor Sabendo Jovem”, focado no envolvimento de adolescentes e jovens na resposta ao HIV/AIDS. Também foi apresentado o estudo “Nós somos a resposta”, que procurou entender as barreiras de acesso dessa população aos serviços de saúde no Brasil. A sequência de atividades finalizou com a apresentação do chatbot KEFI, a primeira inteligência artificial vivendo com HIV.
O Renato Russo foi invadido por 80 adolescentes, com idades entre 16 e 18 anos, estudantes do Centro de Ensino Médio Paulo Freire, da Asa Norte, que tiveram uma tarde para aprender e falar sobre prevenção do HIV/AIDS, estigma e promoção da saúde sexual com e para a juventude. A atividade foi organizada pela Gerência de Vigilância de Infecções Sexualmente Transmissíveis (Gevist), da Secretaria de Saúde do Distrito Federal, e contou com apresentação teatral, muita música e participação animada das estudantes.
Um dado compartilhado durante a conversa com os estudante foi o de que 30% dos pacientes atendidos no Ambulatório de Infectologia e do Programa de Prevenção (PrEP) do Hospital Universitário de Brasília (HUB-UnB), na faixa etária de 16 a 30 anos, receberam um diagnóstico recente de HIV. Isto reforça a importância de mais comunicação e atividades de informação e engajamento destinadas a esta faixa etária.
Durante três dias, o HIVIDA trouxe para Brasília a Mostra Cinema AIDS organizada há 12 anos pela ONG Grupo Pela Vidda/SP. Foram 14 longas, médias e curtas-metragens que revelaram diversas facetas dos desafios contemporâneos e da realidade brasileira no enfrentamento à epidemia de AIDS.
O impacto da cobertura da imprensa do início da epidemia de AIDS, nos anos 80, quando a doença chegou a ser chamada de “Câncer Gay”, foi o tema de um workshop liderado por Renato Guimarães e Eduardo Almeida, do UNAIDS. Os dois procuraram atualizar as pessoas participantes sobre como está a resposta ao HIV/AIDS no Brasil e no mundo, desfazer alguns mitos sobre essa pandemia que ainda persistem e atualizar sobre terminologia, dados, fontes e possíveis abordagens sobre o tema.
Como abordar a interculturalidade no âmbito da saúde? Esta pergunta gerou uma roda de conversa que abordou a prática de reconhecer e respeitar as diversas culturas presentes em contextos de assistência das equipes de saúde. Um elemento importante debatido foi a importância da compreensão das crenças, valores e práticas de diferentes comunidades para a promoção de uma abordagem mais inclusiva e eficaz no cuidado à saúde.
Terapia comunitária foi tema de outro workshop no qual as pessoas participantes se aprofundaram sobre esta abordagem que visa promover o bem-estar emocional e social por meio do compartilhamento de experiências, sentimentos e saberes em um contexto coletivo. “Sua relevância está em promover terapias e cuidados mútuos comunitários, por exemplo, entre pessoas que vivem com o HIV e AIDS, apoiando no desenvolvimento pessoal, construção de redes de apoio e à promoção da saúde emocional, social e comunitária”, explica Ariadne Ribeiro, do UNAIDS, que liderou o workshop.
Já chegando ao seu final, o HIVIDA teve o lançamento, em Brasília, do curta-metragem “Poder Falar”, uma autoficção que aborda a trajetória de um jovem cineasta ao lidar com a complexidade de receber um diagnóstico reagente para o HIV no dia em que faz aniversário. O trabalho é obra do ator e cineasta Evandro Manchini e tem sido recebido prêmios pela abordagem em trazer à tona informações, reflexões, símbolos e personagens importantes da luta pela dignidade da vida.
Outro momento particularmente emocionante no penúltimo dia do HIVIDA foi a homenagem a Cazuza, que faria 65 anos em 2023. O jornalista, ativista e poeta Ramon Nunes Mello, que está organizando um livro de poemas e uma fotobiografia sobre o artista, a convite de Lucinha Araújo (mãe de Cazuza), contou histórias e leu poemas e canções do artista. Ramon também leu poemas de seu livro “Há um mar no fundo de cada sonho”, lançado em 2016, em que aborda sua vivência com o HIV.
A primeira edição do HIVIDA terminou no Dia Internacional dos Direitos Humanos (10/12), com um show no pátio do Museu Nacional da República, reunindo artistas diretamente ligados ao tema. A animação começou com uma apresentação do Elas Que Toquem, grupo de samba e pagode de Brasília composto apenas por mulheres.
Em seguida, a multiartista Valéria Barcellos fez uma homenagem especial a Cazuza, trazendo sucessos como Bete Balanço, Brasil, Codinome Beija-Flor, entre outros.
A artista indígena Ana Luiza Pankaruru fez uma participação especial, que emendou com um dueto com o artista baiano Emmerson Alves. Ele fechou, então, a noite botando todo mundo para dançar.
Em sua fala de encerramento, Claudia Velasquez ressaltou que o HIVIDA foi criado para reforçar que o fim da AIDS como problema de saúde pública é uma tarefa de todas e todos nós.
“Estamos próximos desse objetivo. Está em nossas mãos transformar este sonho em realidade. Este é o nosso compromisso com tantas e tantos que não puderam chegar até aqui e com quem segue lutando a cada dia para se manter saudáveis e resistindo à carga diária de estigma e discriminação. O HIVIDA é sobre VIDA, que precisamos conquistar a cada dia. E, juntos, como diz o ditado africano, podemos ir mais longe”, destacou.
Ela terminou desejando que o HIVIDA frutifique todos os anos e destacou que a próxima edição, em 2024, já está sendo pensada. “Convido a todas e todos a se juntarem a nós para a nossa próxima edição”, concluiu.
O HIVIDA só foi possível graças a uma combinação de talentos e parcerias que viabilizaram sua implementação, com destaque especial às parcerias
Ministérios da Saúde, dos Direitos Humanos e da Cidadania, Cultura, Povos Indígenas, Integração e do Desenvolvimento Regional, Secretaria Geral da Presidência da República, Secretaria de Comunicação da Presidência, Fundação Cultural Palmares, Equipe Conjunta do UNAIDS, com especial agradecimento à OIT, UNICEF, UNFPA, UNICEF e UNESCO, Ministério Público do Trabalho, Secretarias de Estado de Cultura e Economia Criativa e da Saúde do Distrito Federal, Instituto Janelas da Arte, SESC DF, JC Decaux e Instituto Transforma.