Em pé do lado de fora do cinema, Rodrigo de Oliveira se sentiu entusiasmado com sua participação em mais de 40 festivais em todo o mundo para promover “Os Primeiro Soldados”, seu filme sobre o HIV.
“O senso de comunidade é uma coisa abstrata, mas eu vi muitos rostos de pessoas LGBTQIA+ durante minha turnê”, disse ele. “E de certa forma foi isso que tentei mostrar no meu filme.”
As cenas iniciais do filme acontecem na véspera do ano novo, em 1983. Um jovem está de volta à sua cidade natal brasileira, retornando de Paris. Ele se sente um pouco cansado e distante; e receia ter adoecido com algo. Há rumores de uma doença desconhecida. No entanto, até a última cena, AIDS ou HIV não são mencionados.
O narrador, o próprio Rodrigo de Oliveira, compartilha o lento processo de enfraquecimento da saúde do jovem, que “desaparece” e se esconde em uma casa de campo acompanhado por uma mulher trans e um outro conhecido, que também se sente doente.
Eles recebem várias pílulas enviadas por um namorado do personagem principal, que segue vivendo em Paris. Algumas das pílulas são antirretrovirais precoces e outras são vitaminas ou medicamentos naturais. Os três amigos sentem-se abalados por serem afetados por uma doença desconhecida.
“Para mim, existe esperança no conhecimento, isso é fundamental. Mas, como meu filme mostra, a comunidade e o apoio são fundamentais para superar qualquer coisa”, diz Rodrigo.
Ele lembra que depois de sete longas-metragens, este foi seu primeiro a abordar as questões LGBTQIA+ e HIV. “Levou mais tempo para que meus filmes saíssem do armário do que eu”, reflete. “Em 2021, eu ainda estava recém-assumido e perdi pessoas por causa da AIDS e isso me pareceu uma responsabilidade com as pessoas que vi desaparecerem em minha vida.”
Nascido em 1985, Rodrigo de Oliveira diz que pensava no HIV todas as semanas de sua vida. Para ele (como mostrado no filme), nos anos 80 e início dos 90 o HIV muitas vezes era sinônimo de óbito. Ele destaca que desde que o tratamento com antirretrovirais mais modernos tornou-se prontamente disponível, viver uma vida saudável com o HIV transformou-se em realidade. O tratamento e acompanhamento médico regular tornam o vírus indectável no organismo e, portanto, instransmissível para outras pessoas.
Rodrigo explica que, durante uma exibição do filme, jovens não sabiam o que significava quando dois dos personagens apresentavam sinais do Sarcoma de Kaposi (manchas assintomáticas avermelhadas, purpúreas ou róseas, uma indicação de câncer desencadeado por um sistema imunológico fraco em pessoas vivendo com HIV que não estejam em tratamento com antirretrovirais).
“Para mim, foi um choque esta lacuna no conhecimento”, diz Rodrigo. Mostrar um momento da vida de meados dos anos 80 no Brasil fez ainda mais sentido para ele após aquela conversa com os jovens.
“A comunidade LGBTQIA+ é tantas vezes tão esquecida que temos que registrar nossa história, e este filme é um testemunho disso”, diz Rodrigo. “Meu filme, que possui três personagens principais, aborda suas ‘doenças aleatórias’ de maneira diferentes.
Para ele, as três perspectivas foram importantes para documentar o medo, o temor e o trabalho consciente para superar a crise. O HIV praticamente não é mencionado e, com isso, Rodrigo quis ilustrar o “grande silêncio” em torno da doença na época.
Suki Beavers, diretora de Igualdade de Gênero, Direitos Humanos e Engajamento Comunitário do UNAIDS, dividiu o palco com Rodrigo de Oliveira em uma recente exibição do filme em Genebra, durante o festival Everybody’s Perfect. Ela destaca que o filme reflete a falta de direitos das pessoas, ao mostrar a interseção de desigualdades para uma pessoa que é pobre, trans, gay ou não ter ido à escola, que só agrava as dificuldades (no filme, a personagem trans fica furiosa ao ser jogada para fora de um ônibus após uma discussão em uma das cenas).
“Você vê uma clara violação dos direitos no Brasil durante os anos 80, bem como um ativismo para reivindicar esses direitos”, diz Suki Beavers. “Este fenômeno ainda está muito vivo em muitas partes do mundo até hoje, e é por isso que não podemos desistir da luta para acabar com a AIDS.”
Rodrigo diz que gostaria que as pessoas saíssem do cinema, depois de verem seu filme, com a sensação de que o amor é universal. “O beijo entre os amigos exemplifica que vamos superar”, diz ele.
Ele reforça que deseja de fazer mais dois filmes focados na evolução da resposta ao HIV/AIDS, passando pelos anos 90 até as últimas duas décadas.
“Levo de quatro a cinco anos para fazer um filme, mas estou alinhado com o UNAIDS: vamos acabar com a AIDS”, diz ele. “Eu só queria poder fazer um filme por dia, como se estivesse salvando uma vida por dia”.
O trailer do filme Os Primeiros Soldados podem ser conferidos aqui.
O texto original, em inglês, pode ser conferido aqui.