Esse texto faz parte de uma série de publicações preparada pelo UNAIDS para o lançamento do Relatório Global para AIDS 2022. A série completa está disponível aqui.
Como visto recentemente durante a pandemia da COVID-19, organizações lideradas pela comunidade se mobilizaram quando e onde os governos não puderam. Grupos liderados por e para pessoas que vivem com HIV e populações-chave, incluindo mulheres e jovens, extrapolaram o conhecimento profundo sobre o HIV para abordagens mais amplas de pandemias.
Da Costa do Marfim à China, grupos da sociedade civil distribuíram medicamentos antirretrovirais (por correio ou entrega em mãos) e kits de autoteste e negociaram com autoridades governamentais para garantir que os medicamentos fossem acessíveis. Também distribuíram alimentos embalados e outros itens essenciais.
Muitos outros países, de Botsuana à Bélgica, relataram que também mudaram seus serviços para o online, bem como confiaram no contato por telefone e e-mail para aconselhamentos pessoais e monitoramento do estado de saúde, com poucos realizando visitas domiciliares em circunstâncias urgentes.
Na Ucrânia, por exemplo, muitos serviços de saúde que poderiam salvar vidas não puderam funcionar após o início da guerra.
Mas as organizações prestadoras de serviços de base, tais como a Aliança para a Saúde Pública, encontraram maneiras de seguir adiante. Apesar de as estradas estarem obstruídas e de muitas pontes terem sido destruídas, o projeto Mobile HIV Case-Finding utilizou suas 16 vans para entregar alimentos, tratamento de HIV e outros itens essenciais em todo o país. A organização também ajudou que as pessoas encontrassem abrigos.
Iryna, coordenadora da equipe clínica móvel na região de Chernihiv, disse que a guerra havia complicado imensamente seu trabalho. Chernihiv faz fronteira com a Rússia e Belarus no norte da Ucrânia.
“Muitas pessoas estavam em constante movimento, indo de um lugar para outro. Era muito difícil trabalhar”, disse ela.
Mas desde meados de março, a Aliança para a Saúde Pública tem restabelecido muitos de seus serviços. A organização não-governamental trabalha principalmente com pessoas que fazem uso de drogas injetáveis e seus parceiros.
“Um número considerável de novos casos de HIV na Ucrânia é registrado entre usuários de drogas injetáveis por causa de práticas inseguras de aplicação”, explica o diretor nacional do UNAIDS para a Ucrânia, Raman Hailevich.
Ele sabe que alcançar pessoas que usam drogas era um desafio que já existia antes da guerra, e agora é um desafio ainda maior. O reconhecimento vai para os grupos da sociedade civil.
“As organizações de base comunitária que trabalham com esta população, de difícil acesso, fornecem o alcance mais essencial a estes grupos. Sem elas, a entrega de programas de prevenção entre as pessoas que usam drogas não seria possível”, disse ele.
Por causa de insegurança, a Aliança para a Saúde Pública viu uma queda nos testes para HIV e hepatite C. Iryna, entretanto, se sente orgulhosa porque as equipes entregaram o tratamento a mais de 1.400 pessoas entre os meses de março e abril por meio do correio e/ou entrega pessoal ao domicílio.
Desde 2014, a Venezuela tem experimentado uma intensa crise econômica e um processo de emigração que levou cerca de seis milhões de seus cidadãos a saírem do país. A turbulência política e as sanções internacionais têm significado que as pessoas precisam lutar pela alimentação e outros itens básicos. O sistema de saúde do país também entrou em colapso. Quando Teresa (nome fictício) chegou a Caracas pesava 30 quilos e não tinha conseguido o tratamento do HIV devido à escassez de estoque.
A Rede Venezuelana de Pessoas Positivas (RVG+) e a Ação Cidadã Contra a AIDS (ACCSI), em tradução livre para o português, em conjunto com mais de 20 organizações da sociedade civil venezuelana, se uniram para fortalecer o alcance comunitário e o monitoramento de pessoas vivendo com HIV.
Para Regina Lopez, diretora nacional do UNAIDS na Venezuela, este esforço de colaboração como histórico: “O projeto tornou possível recuperar e resgatar muitas pessoas que deixaram de receber tratamento em 2018 e também aquelas que retornaram ao país após várias ondas de emigração.”
Este alcance comunitário também se aplica a serviços básicos em países estáveis.
Em um subúrbio de Nouakchott, na Mauritânia, uma barraca foi montada para abrigar uma noite de aconselhamento e testes de HIV (ver vídeo aqui, em inglês). Funcionários da organização não-governamental SOS Pairs Educateurs respondiam às dúvidas de pessoas que queriam obter informações sobre o seu estado quanto ao HIV na fila de espera para um teste rápido.
De acordo com o diretor nacional do UNAIDS da Mauritânia, El Mustapha Attighie, o alcance comunitário como esse é uma forma de apoiar grupos vulneráveis.
“O estigma impacta diretamente a resposta ao HIV. Quando os direitos humanos não são respeitados e as pessoas são deixadas para trás, isso aumenta os riscos do HIV”, disse ele, acrescentando que o mandato do UNAIDS afirma claramente a defesa dos direitos e a igualdade de tratamento para todas as pessoas. Como médico treinado, ele reforça o debate sobre o direito de as pessoas possuírem acesso aos cuidados de saúde.
As organizações lideradas pela comunidade têm se mostrado uma parte essencial e inestimável da infraestrutura global de saúde pública.
Fortalecer esses serviços, financeira e estruturalmente, tem demonstrado ser importante para aprimorar os esforços de resposta ao HIV. O mundo também estará muito mais bem preparado para responder aos desafios que estão surgindo — aqueles que podemos antecipar e as novas ameaças à saúde cujas formas ainda não são previstas.
O ativismo, a mobilização e o trabalho de organizações lideradas pela comunidade definiram a resposta ao HIV e salvaram incontáveis vidas.
As organizações lideradas pela comunidade impulsionam a resposta ao HIV de muitas maneiras. Elas pressionam para que os programas de HIV defendam os direitos e a dignidade das pessoas e dão foco para as falhas na atenção e para as desigualdades. Defendem mudanças legais e políticas, e exigem acesso a medicamentos e serviços a preços acessíveis. Impulsionam programas centrados nas estruturas, tornando os serviços mais acessíveis, trazendo as percepções da comunidade para os processos de planejamento e de implementação, usando o acompanhamento da população para fortalecer a vigilância e a responsabilidade.
Estudos mostram que as intervenções lideradas pela comunidade podem melhorar os conhecimentos e comportamentos das pessoas em relação ao HIV, aumentando o acesso aos serviços e melhorando a prevenção, tratamento e os resultados dos cuidados. As organizações da sociedade civil fazem isso fornecendo serviços que são mais convenientes, relevantes e eficientes; construindo confiança e respeito; e reduzindo práticas discriminatórias. Esses serviços podem ser mais eficazes do que as plataformas padrão baseadas em unidades de saúde para alcançar populações marginalizadas e menos atendidas, particularmente quando fundamentadas pela capacidade de desenvolvimento.
No entanto, o valor dos esforços de incidência liderados pelas comunidades ainda é subestimado por muitos formuladores de políticas e planejadores. Isto se reflete na falta de apoio financeiro e político dos governos em muitos países. Para desempenhar plenamente suas funções, as organizações e redes comunitárias precisam de recursos, incluindo financiamento, treinamento e capacitação.
O ativismo, a mobilização e o trabalho no território de organizações lideradas pela comunidade definiram a resposta ao HIV e salvaram inúmeras vidas.