Esse texto faz parte de uma série de publicações preparada pelo UNAIDS para o lançamento do Relatório Global para AIDS 2022. A série completa está disponível aqui.
Nos últimos dois anos e meio, a colisão entre a pandemias de AIDS e de COVID-19 — juntamente com outras crises econômicas e humanitárias — colocou a resposta global ao HIV sob ameaça crescente.
Em algumas partes do mundo, e para algumas comunidades, a resposta à pandemia de AIDS tem se mostrado resistente em tempos adversos, o que ajudou a evitar os piores resultados. Entretanto, o progresso global contra o HIV está diminuindo em vez de acelerar: os últimos dados coletados pelo UNAIDS mostram que, apesar das novas infecções pelo HIV terem caído globalmente em 2021, a queda foi de apenas 3,6% em relação a 2020 — a menor redução anual desde 2016.
Europa Oriental, Ásia Central, Oriente Médio, Norte da África e América Latina têm visto aumentos nas infecções anuais pelo HIV durante a última década. Na Ásia e no Pacífico, os dados do UNAIDS mostram que as novas infecções pelo HIV estão aumentando onde estavam caindo nos últimos 10 anos.
Todos os dias, quatro mil pessoas — dentre elas, 1,1 mil jovens de 15 a 24 anos — são infectadas pelo HIV. Se as tendências atuais continuarem, 1,2 milhão de pessoas serão infectadas pelo HIV em 2025 — três vezes mais do que a meta de 2025, que era de 370 mil novas infecções.
O impacto humano na paralisação do progresso da resposta ao HIV é assustador. Em 2021, 650 mil pessoas morreram de causas relacionadas à AIDS — uma a cada minuto. Com a disponibilidade de medicamentos antirretrovirais de última geração e ferramentas eficazes para prevenir, detectar e tratar adequadamente infecções oportunistas como a meningite criptocócica e a tuberculose, estas são mortes evitáveis. Sem uma ação acelerada para evitar o avanço do vírus, as mortes relacionadas à AIDS continuarão a ser uma das principais causas de óbitos em muitos países.
As tendências relacionadas a infecções por HIV e mortes decorrentes da AIDS são impactadas pela existência de serviços de resposta ao HIV. Neste aspecto, os sinais também são preocupantes, pois a expansão dos serviços de testagem e tratamento do HIV está em dificuldades. O número de pessoas em tratamento de HIV aumentou em apenas 1,47 milhão em 2021, quando comparado com o aumento de mais de 2 milhões de pessoas nos anos anteriores. Isto representa o menor aumento desde 2009.
O progresso da resposta ao HIV está diminuindo à medida em que os recursos disponíveis para o HIV diminuem nos países de média e baixa e renda. Nesses países, as respostas ao HIV receberam US$ 8 bilhões a menos do que o montante necessário até 2025.
A assistência oficial ao desenvolvimento para o HIV proveniente de doadores bilaterais (exceto Estados Unidos) caiu 57% durante a última década. Em 2021, os recursos internacionais disponíveis para o HIV eram 6% menores que em 2010.
Ao contrário dos anos anteriores, porém, os investimentos nacionais em HIV não substituíram o financiamento internacional perdido. Em vez disso, o financiamento doméstico em países de baixa e média renda caiu por dois anos consecutivos, incluindo uma queda de 2% em 2021.
As condições econômicas globais e as vulnerabilidades dos países em desenvolvimento — que são agravadas pelas crescentes desigualdades no acesso às vacinas e ao financiamento da saúde — ameaçam tanto a contínua resiliência das respostas ao HIV, quanto sua capacidade de diminuir as desigualdades relacionadas ao HIV. O Banco Mundial projeta que 52 países, onde estão 43% das pessoas vivendo com HIV, sofrerão uma queda significativa em sua capacidade de gastos públicos até 2026.
Os altos níveis de endividamento estão minando ainda mais a capacidade dos governos de aumentar os investimentos no combate ao HIV. A dívida dos países mais pobres do mundo atingiu 171% de todos os gastos com assistência médica, educação e proteção social juntos. Cada vez mais, o pagamento da dívida nacional afasta investimentos em saúde e capital humano que são essenciais para acabar com a AIDS.
Novos investimentos são necessários agora para acabar com a AIDS até 2030. Cumprir as promessas feitas na Assembleia Geral das Nações Unidas, em 2021, será claramente menos caro do que não investir agora e arriscar mais retrocessos. Durante o último ano, a indiferença transformou-se em negligência. Esta falta de solidariedade é moralmente errada e prejudicial a todos os países.
As pessoas mais vulneráveis e marginalizadas estão sendo as mais afetadas. Nestes grupos estão:
Dentre as tendências mais amplas da resposta global à AIDS, há algumas boas notícias a serem relatadas. As respostas nacionais que dispunham de recursos adequados, adotaram políticas sólidas e tornaram as tecnologias de prevenção e tratamento amplamente disponíveis, demonstraram uma resiliência e impacto notáveis. Diversos países como Itália, Lesoto, Vietnã e Zimbábue reduziram as novas infecções pelo HIV em mais de 45% entre 2015 e 2021.
A Estratégia Global para a AIDS 2021-2026 fornece um plano explícito e fundamentado em evidências para colocar a resposta à AIDS no caminho certo. Os governos do mundo se comprometeram a tomar medidas concretas para traduzir este plano em ação concreta. Nenhuma resposta milagrosa é necessária: utilizando-se das ferramentas disponíveis, a comunidade global precisa traduzir seus compromissos em resultados concretos para as pessoas.
A pandemia de COVID-19 e a guerra na Ucrânia são desafios desta geração, mas seus impactos negativos são de longo alcance. Junto com as más notícias, chegam também alguns fatos positivos: estas crises também demonstraram a capacidade do mundo de mobilizar imensos recursos e de produzir rápidas mudanças das políticas diante de adversidades extraordinárias. A inovação e a liderança estimulada pela experiência na COVID-19 também ressaltam o papel central que as comunidades podem desempenhar para preservar o acesso aos serviços e alcançar as pessoas mais vulneráveis e marginalizadas.
É necessária maior coragem política para acabar com as desigualdades relacionadas ao HIV e reanimar e fortalecer ainda mais a solidariedade global em torno deste objetivo.
Sabemos o que precisa ser feito para acabar com a AIDS — e temos as ferramentas necessárias. O nosso desafio, agora, é reunir a coragem necessária para fechar as lacunas na resposta e acabar com as desigualdades relacionadas ao HIV.