Combater a transfobia e a violência em um post de cada vez

“Se você quer saber que [Keem] é um homem, apenas pegue seu telefone e corra”, zombou um hater da Internet sobre a nova foto do perfil de Keem Love Black no Facebook.

Como uma mulher trans que vive em Uganda, a Keem Black não estranha os ataques com teor a homofóbico e a transfóbico que a comunidade LGBT (Lésbica, Gay, Bissexual e Travestis e Transsexuais) recebe no países da África Oriental.

As pessoas frequentemente atacam Keem Black por postar fotos de vestidos e utilizando maquiagem. “Há muito cyberbullying”, diz Keem Black.

A prática de Trolling (trollagem, na tradução livre para o português) é uma motivação para o ativismo de Keem Black nas mídias sociais. Ela dirige a Trans Positives Uganda (Trans Positivas da Uganda, em tradução livre para português), uma organização comunitária que cuida de mulheres trans trabalhadoras do sexo e refugiadas que vivem com HIV.

Os comentários ofensivos que acontecem de forma online refletem a violência que a maioria das mulheres trans experimenta na Uganda nas mãos de seus parceiros, suas parceiras e até mesmo de profissionaisde serviços de saúde. A marginalização criou uma grande quantidade de problemas para as pessoas trans no país.

“Tenho sido persistente nas mídias sociais porque queria falar ao mundo sobre questões trans”, diz ela.

O HIV afeta desproporcionalmente as trabalhadoras do sexo e as mulheres trans. O Relatório Global sobre AIDS de 2020 informa que em oito países subsaarianos quase uma em cada três mulheres trans disse ter sido agredida fisicamente e 28% ter sido estuprada.

Não é somente a violência sexual que Keem Black reporta, mas também a violência do parceiro ou parceira que se relaciona de forma íntima.

“Nossos namorados realmente nos violam”, diz Keem Black.

Ela acrescenta que as trabalhadoras sexuais trans também encontram o mesmo destino nas mãos de clientes. Entretanto, ela acredita que a violência contra mulheres trans precisa ser abordada, além de que a criminalização das pessoas LGBT e do trabalho sexual em Uganda impede que as sobreviventes se manifestem.

“O trabalho sexual é ilegal e nosso tipo de sexo é muito, muito ilegal”. Você pode acabar sendo presa”, diz ela.

O estigma e a discriminação muitas vezes persistem na vida de pessoas trans, por exemplo, em salas de consulta de estabelecimentos de saúde, onde, enquanto procuram tratamento, podem ser degradadas e envergonhadas.

“Você diz a um/a médico/a: “Eu tenho gonorréia anal” e todos e todas ficarão em choque. Vão chamar todos e todas as profissionais para ver porque não acreditam em sexo anal. Dirão que é contra a religião que acreditam”, diz a Keem Black.

Quando Keem Black perdeu uma amiga trans que vivia com HIV por negligência médica em 2013, foi a gota d’água final. Sua amiga foi classificada como gay, o que fez com que ela não tivesse acesso aos cuidados de saúde que poderiam ter salvado sua vida.

“Eu estava pensando: ‘Ok, tenho que começar uma campanha nas redes social’ porque as pessoas só conheciam lésbicas e gays”, diz Keem. Black.

Essa campanha fez a conta de Facebook de Keem Black crescer de 100 seguidores para 50 mil seguidores.

A página de Keem Black no Facebook é uma mistura de assuntos sobre questões Ugandesas contemporâneas, defesa da comunidade trans e moda.

Apesar de seu sucesso no Facebook, Keem Black está se voltando para outras redes sociais. “Estou começando a usar minha página no Instagram para defender e sensibilizar as pessoas sobre questões de trans e saúde. Tenho notado que as mídias sociais são fortes para advocacy”, diz ela.

No último ano, o isolamento devido à pandemia de COVID-19 teve um grande efeito sobre as mulheres e meninas e sobre as populações-chave. Profissionais do sexo, homens e mulheres trans, pessoas que usam drogas e homens gays perderam a vida, enfrentaram a violência e muitas vezes são bodes expiatórios como os transmissores da COVID-19.

“Como trabalhadoras do sexo que costumavam conseguir clientes em bares e clubes, ainda estamos sofrendo. O governo ainda não decidiu quando os bares serão oficialmente abertos”, diz ela. “Durante o fechamento, todos estávamos deprimidas; foi um choque para nós e não

estávamos nada preparadas. Algumas de nós tínhamos algumas economias, outras não tinham nada”.

Keem Black diz que as pessoas vivendo com HIV enfrentaram muitos desafios na obtenção de seu tratamento, pois o transporte público havia parado. “Muitas pessoas deixaram de fazer o tratamento do HIV”, observa ela.

Como em muitas comunidades da África Oriental e Austral, a comunidade de profissionais do sexo trans demonstrou notável resistência diante da adversidade, sobrevivendo de alguma forma à perda de meios de subsistência e à insegurança alimentar.

Sem qualquer apoio financeiro formal, a Trans Positives Uganda se uniu a uma organização de profissionais do sexo chamada Lady Mermaids, iniciou uma campanha de financiamento coletivo na plataforma GoFundMe e levantou mais de 5 mil euros para comprar e fornecer alimentos a seus membros. Elas conseguiram e, “agora que o lockdown foi flexibilizado, estamos lentamente nos restabelecendo”, diz Keem Black.

Através de tudo isso, a Keem Black mantém seu jeito brincalhão e muitas vezes ri de quem a confronta. No entanto, os memes de redes sociais não são apenas diversão e jogos para ela. “O ativismo acontece de muitas maneiras”, diz ela.

Encontre-a no Facebook aqui e a Instagram aqui .

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