Aceleração da Resposta e Direitos Humanos

 

A agenda global para o desenvolvimento sustentável inclui um objetivo de acabar com a epidemia de AIDS até 2030. A experiência, até agora, mostra os progressos significativos que podem ser alcançados na resposta à AIDS por meio da mobilização de conhecimento científico, vontade política, recursos financeiros e sociedade civil.

Para alcançar esse objetivo ambicioso, o UNAIDS convocou todos os países a aproveitar os próximos anos (até 2020) como uma janela de oportunidade essencial para que possamos aumentar rapidamente a resposta ao HIV em três áreas-chave: prevenção, testagem e tratamento do HIV. Essa abordagem de Aceleração da Resposta—endossada pela Assembleia Geral das Nações Unidas na Declaração Política de 2016 sobre o Fim da AIDS—requer a maximização dos instrumentos existentes a fim de acelerar o ritmo do progresso para o alcance de metas específicas e acabar com a epidemia de AIDS como uma ameaça da saúde pública até 2030.

Apesar disso, não será possível acelerar a resposta ao HIV e acabar com a epidemia de AIDS sem que os direitos humanos sejam abordados. A desigualdade de gênero continua a minar os esforços para combater o HIV entre mulheres e meninas em todo o mundo. Enquanto muitas populações continuam altamente afetadas pelo HIV, elas têm acesso inadequado a serviços eficazes de prevenção, testagem e tratamento de qualidade. Essas populações, que estão sendo deixadas para trás pela resposta, incluem adolescentes e jovens (particularmente adolescentes meninas e mulheres jovens da África Oriental e Austral), comunidades indígenas, profissionais do sexo, pessoas privadas de liberdade, migrantes, gays e outros homens que fazem sexo com homens, pessoas trans e pessoas que usam drogas injetáveis.

As barreiras aos direitos humanos—incluindo estigma e discriminação, violência e outros abusos, atitudes sociais negativas e obstáculos legais—contribuem para a vulnerabilidade ao HIV entre essas populações e limitam seu acesso a serviços de prevenção, testagem, tratamento e cuidados.

Conforme reconhecido por todos os Estados-Membros da ONU nas resoluções da Assembléia Geral sobre o HIV, a efetivação dos direitos humanos é um elemento essencial da resposta ao HIV. Por muito tempo, questões legais, políticas e de direitos humanos têm sido vistas por alguns formuladores de políticas, implementadores de programas e prestadores de serviços como desconectados dos esforços (ou no melhor dos casos, seguindo de forma paralela) para implementar programas de prevenção, testagem ou tratamento do HIV. Mudar esta situação deve ser uma prioridade nos esforços de Aceleração da Resposta (Fast-Track) ao HIV.

“Nós, Chefes de Estado e de Governo e representantes de Estados e Governos reunidos nas Nações Unidas de 8 a 10 de junho de 2016, reafirmamos nosso compromisso de acabar com a epidemia de AIDS até 2030 como nosso legado para as gerações presentes e futuras.” Declaração Política de 2016 sobre o Fim da AIDS

Este documento oferece orientação sobre porque e como os esforços para acelerar a prevenção do HIV, testagem e serviços de tratamento podem e devem ser fundamentados em direitos humanos. Além de serem um imperativo em si mesmos, os princípios e abordagens dos direitos humanos são fundamentais para lidarmos com as barreiras aos serviços de HIV e alcançarmos as suas metas propostas. Os princípios e abordagens de direitos humanos ajudarão a maximizar o alcance e o impacto dos programas de prevenção, testagem e tratamento do HIV. Eles também ajudarão a enfrentar potenciais desafios de direitos humanos e evitar abusos que possam ocorrer no contexto de esforços urgentes para a Aceleração da Resposta e o alcance das metas de HIV para prevenção, testagem e tratamento.

Em particular, este documento descreve os princípios-chave dos direitos humanos, derivados de normas jurídicas internacionais, que devem servir de base para a ampliação dos serviços de HIV. O documento explica brevemente como esses princípios se aplicam aos serviços de prevenção, testagem e tratamento do HIV. Os princípios-chave dos direitos humanos mais relevantes são os seguintes:

  • Disponibilidade, acessibilidade, aceitabilidade e boa qualidade dos serviços.
  • Não discriminação e igualdade.
  • Privacidade e confidencialidade.
  • Respeito pela dignidade e autonomia pessoais.
  • Participação e responsabilização (accountability) significativas.

Este documento também resume os programas de direitos humanos que devem acompanhar e/ou ser integrados aos serviços de prevenção, testagem e tratamento do HIV. Fornece três listas de verificação para apoiar e orientar governos, doadores, implementadores de programas (incluindo prestadores de serviços diretos), grupos da sociedade civil e outras partes interessadas na concepção, monitoramento e avaliação de serviços de prevenção, testagem e tratamento do HIV, de modo a assegurar que os resultados sejam baseados em princípios e abordagens de direitos humanos, e que não deixem ninguém para trás. À medida em que o mundo intensifica as ações para acelerar a resposta ao HIV, é hora de todas as principais partes envolvidas na resposta a essa epidemia traduzirem uma orientação clara sobre direitos humanos nos programas de prevenção, testagem e tratamento do HIV.

Introdução

Podemos acabar com a epidemia de AIDS

Os países de todo o mundo se comprometeram a fazer exatamente isso até 2030, como parte da Agenda para o Desenvolvimento Sustentável de 2030 (1).

A experiência acumulada até agora mostra os progressos significativos que podem ser alcançados na resposta à AIDS por meio da mobilização do conhecimento científico, da vontade política, dos recursos financeiros e da sociedade civil. Entre 2000 e 2015, as novas infecções anuais por HIV diminuíram 35% em todo o mundo (2). Enquanto isso, as mortes anuais relacionadas com a AIDS caíram cerca de 45%.

A ampliação do tratamento tem sido fundamental para essas conquistas. Em 2000, menos de 1% das pessoas que viviam com HIV em países de baixa e média renda tinham acesso à terapia antirretroviral (2). Por volta de 2015, porém, o mundo atingiu e superou o objetivo de obter tratamento para 15 milhões de pessoas em todo o mundo, a grande maioria em países de baixa e média renda (3). Estes sucessos estão entre as maiores conquistas na história da saúde global.

Mas não há como acabar com a AIDS sem abordar as barreiras aos direitos humanos e os esforços para Acelerar a Resposta

Depois de uma década de progresso significativo, a resposta à AIDS está em uma conjuntura crítica. No final de 2015, apenas 46% dos adultos e 49% das crianças vivendo com HIV globalmente estavam recebendo terapia anti-retroviral (4). Além disso, apenas em 2015 cerca de 1,1 milhão de pessoas morreram de doenças relacionadas à AIDS e mais 2,1 milhões de pessoas foram infectadas pelo HIV (2).

Lacunas, pontos cegos e a incapacidade de expandir programas eficazes de prevenção, tratamento e cuidados relacionados ao HIV para todos estão comprometendo nossos esforços contra a epidemia. Muitas populações ao redor do mundo continuam a ser altamente afetadas pelo HIV, mas têm acesso inadequado a serviços de prevenção, testagem e tratamento eficazes e de alta qualidade. Essas populações – que incluem adolescentes e jovens (particularmente as adolescentes meninas e as mulheres jovens), profissionais do sexo, prisioneiros, migrantes, gays e outros homens que fazem sexo com homens e pessoas que usam drogas injetáveis – estão sendo deixadas para trás pela resposta.

As barreiras aos direitos humanos – incluindo estigma, discriminação, violência e outros abusos, atitudes sociais negativas e obstáculos legais – contribuem para a vulnerabilidade ao HIV entre essas populações. Também limitam o acesso a serviços de prevenção, testagem, tratamento e assistência. Num relatório recente, o UNAIDS salientou que os direitos humanos e as vulnerabilidades e barreiras relacionadas com gênero estão entre as razões para a grave lacuna de prevenção do HIV e os progressos insuficientes realizados na redução de novas infecções pelo HIV em muitas regiões do mundo.

“A resposta à AIDS só pode ser acelerada por meio da proteção e promoção do acesso a informações, educação e serviços apropriados, de alta qualidade e baseados em evidências, sem estigma e discriminação, com pleno respeito aos direitos à privacidade, confidencialidade e consentimento informado…” Declaração Política de 2016 sobre o Fim da AIDS

Para acabar com a epidemia de AIDS como uma ameaça à saúde pública até 2030, estes desafios devem e podem ser superados. O UNAIDS convocou todos os países para que aproveitem os próximos anos (até 2020) como uma janela de oportunidade chave para acelerar a resposta ao HIV em torno de três áreas principais: prevenção, testagem e tratamento do HIV. Esta abordagem de Aceleração da Resposta – endossada pela Assembleia Geral das Nações Unidas (AGNU) na Declaração Política sobre o Fim da AIDS de 2016 – requer a maximização dos instrumentos eficazes existentes para acelerar o ritmo do progresso para alcançar os objetivos específicos até 2030 de forma que ninguém seja deixado para trás. Alcançar este objetivo implica necessariamente em prestar uma atenção específica às barreiras aos direitos humanos, tais como o estigma, a discriminação, a violência e outros abusos, bem como as leis e políticas punitivas que incorporam ou permitem estas violações de direitos humanos fundamentais.

Os princípios e abordagens de direitos humanos devem ser parte dos esforços para Acelerar a Resposta ao HIV

Acabar com a AIDS é uma questão de obrigação para os governos. Ao tomar medidas para prevenir novas infecções por HIV e garantir o acesso à prevenção, testagem e tratamento do HIV para todos, os governos estão cumprindo sua obrigação de efetivar o direito humano à vida e o mais alto padrão de saúde física e mental possível. Isso, por sua vez, capacita as pessoas a levar uma vida plena e digna. Ao mesmo tempo, proteger e promover os direitos humanos – particularmente aqueles de pessoas vivendo com HIV e outras populações mais afetadas pela epidemia – também é uma questão de necessidade para acabar com a AIDS. Todos os Estados-Membros da ONU reconheceram a concretização dos direitos humanos como um elemento essencial da resposta ao HIV na Declaração de Compromissos sobre o HIV/AIDS de 2001, na Declaração Política sobre HIV/AIDS de 2006, na Declaração Política sobre HIV e AIDS de 2011: Intensificando os Nossos Esforços para Eliminar o HIV e AIDS, e a Declaração Política sobre HIV/AIDS de 2016: Na Via Rápida para Acelerar a Luta contra o HIV e para Acabar com a Epidemia de AIDS até 2030 (6-9).

Por muito tempo, as questões jurídicas, políticas e de direitos humanos foram vistas – inclusive por alguns formuladores de políticas, implementadores de programas e prestadores de serviços – como desconectadas dos esforços de implementação de programas de prevenção, testagem ou tratamento de HIV. A mudança desta situação deve ser uma prioridade nos esforços para ampliar a resposta ao HIV.

Os princípios e abordagens dos direitos humanos operam em múltiplos níveis e de várias maneiras para fortalecer a resposta ao HIV, criando um ambiente mais propício para a prevenção, testagem e serviços de tratamento. Estes incluem o (a) nível individual, (b) nível das políticas e programas, e (c) nível de população.

A nível individual, respeitar e proteger os direitos humanos permite que as pessoas em risco de contrair o HIV ou as pessoas que vivem com o HIV se beneficiem de serviços de prevenção, testagem e tratamento. Isso também constrói a confiança dos sistemas de saúde entre os indivíduos, o que é essencial para programas de saúde pública eficazes. Por exemplo, programas de sensibilização dos prestadores de cuidados de saúde para reduzir as atitudes de estigma e discriminação em relação às pessoas que vivem com o HIV e as populações-chave; proteger as pessoas contra a discriminação nos estabelecimentos de saúde, garantir o respeito pelo consentimento informado durante testagem e tratamento, e proteger a confidencialidade do paciente são medidas que se reforçam mutuamente e que permitem que as pessoas procurem e acessem os serviços de HIV.

A aplicação dos princípios de direitos humanos a nível das políticas e dos programas exige atenção à disponibilidade, acessibilidade, aceitabilidade e qualidade dos serviços relacionados com o HIV (estes elementos-chave do direito à saúde são discutidos em mais detalhes abaixo). Os princípios de direitos humanos também ajudam a concentrar a atenção nas pessoas mais marginalizadas que enfrentam as maiores barreiras de acesso a recursos. Esses princípios exigem e permitem a participação das comunidades afetadas na concepção, implementação e avaliação dos serviços de HIV, tornando-os assim mais eficazes.

Ao nível populacional, proteger e promover os direitos humanos cria um ambiente jurídico, social e econômico mais capacitador, melhorando assim o acesso (e adesão) aos serviços de prevenção, testagem, tratamento, assistência e apoio relacionados ao HIV. A remoção de leis punitivas e políticas de estigmatização que afetam populações específicas em risco de se infectarem com o HIV e a proteção contra a violência e a discriminação tornam mais seguro e mais fácil para as pessoas dentro dessas populações acessar serviços de HIV, protegendo e promovendo sua saúde e a de outros. Promover a educação em direitos humanos e fomentar uma cultura de respeito pelos direitos humanos na lei e, de forma mais ampla, na sociedade, também ajudam a engajar, empoderar e mobilizar as comunidades na proteção e efetivação de seus direitos, incluindo o direito a serviços de qualidade.

Os princípios e abordagens de direitos humanos são particularmente relevantes em um momento em que estão sendo desenvolvidos esforços para aumentar rapidamente os serviços de HIV, porque esse vão ajudar a maximizar o alcance e o impacto desses programas e, com isso, contribuir para a realização do direito à saúde. Eles também ajudarão a enfrentar possíveis desafios de direitos humanos e de igualdade de gênero e evitar abusos que possam ocorrer no contexto de esforços urgentes para acelerar os serviços de prevenção, testagem e tratamento do HIV.

Sobre esta orientação

Este documento oferece orientação sobre o motivo e a forma como os esforços para acelerar a prevenção ao HIV, testagem e serviços de tratamento podem e devem ser fundamentado em direitos humanos. Em particular, mostra que, para além de ser um imperativo em si, os princípios e abordagens de direitos humanos são fundamentais para enfrentar as barreiras aos serviços de HIV e atingir as metas de HIV.

Este documento inclui exemplos concretos que ilustram a importância da integração dos direitos humanos aos programas de prevenção, testagem e tratamento do HIV. Ele também descreve programas específicos de direitos humanos para eliminar o estigma e a discriminação e para aumentar o acesso à justiça conforme necessário, todos os quais são elementos complementares de respostas eficazes ao HIV.

Em particular, inclui o seguinte:

  • Uma descrição dos principais princípios de direitos humanos que devem informar a ampliação dos serviços de HIV e como esses se aplicam aos serviços de prevenção, testagem e tratamento do HIV em particular.
  • Uma breve apresentação dos principais programas de direitos humanos que devem acompanhar e / ou ser integrados aos serviços de prevenção, testagem e tratamento do HIV.
  • Três listas de verificação para apoiar e orientar governos, doadores, implementadores de programas (incluindo prestadores de serviços diretos), grupos da sociedade civil e outras partes interessadas na concepção, monitoramento e avaliação de programas de prevenção, princípios e abordagens dos direitos humanos, e que não deixem ninguém para trás.

 

 

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