Em 2023, o UNAIDS apoiou a Ação de Mulheres pela Equidade (AME) na implementação da iniciativa “Caminhos do Norte: Trilhas para a Promoção da Saúde e Prevenção Combinada do HIV” junto à comunidade quilombola de Vila do Maruacá, localizada na Ilha de Marajó, no estado do Pará.
No Brasil, as comunidades quilombolas, formadas predominantemente por descendentes de pessoas africanas escravizadas que escaparam da escravidão e estabeleceram seus próprios assentamentos, enfrentam inúmeras barreiras no acesso à saúde, colocando-as entre as populações prioritárias na resposta ao HIV.
O projeto adotou uma abordagem integrada para a prevenção do HIV/AIDS, adaptada às necessidades e realidades específicas da comunidade quilombola. Enfatizou o papel crucial do engajamento comunitário na promoção da saúde e na prevenção do HIV/AIDS, abordando questões de raça e gênero para empoderar a comunidade, especialmente as mulheres, na definição de suas estratégias de saúde. Esta ênfase tomou como base a complexa interação entre dinâmicas raciais e de gênero e a garantia de acesso abrangente aos cuidados de saúde.
“Um dos objetivos do projeto foi justamente melhorar o acesso à informação e capacitar a população quilombola em questões de políticas de saúde, fomentando o diálogo e o debate dentro da comunidade”, diz Damiana Neto, coordenadora da AME. “Com esta abordagem buscamos otimizar ações de promoção da saúde e prevenção do HIV/AIDS, tanto no âmbito individual quanto no coletivo.”
Os temas abordados pelo projeto focaram em melhorar os esforços existentes de promoção da saúde física, mental e ambiental, além de implementar estratégias de prevenção combinada do HIV. Foi dada especial atenção à prevenção da violência de gênero por meio da mobilização e conscientização das mulheres, bem como à promoção do diálogo com seus parceiros e dentro das famílias.
Damiana explica que o projeto adotou uma visão holística da saúde, considerando as interseções e os determinantes sociais inerentes ao trabalho com populações vulneráveis. “Isso envolveu o aproveitamento do conhecimento territorial, o cuidado pessoal e coletivo, e o enfrentamento das várias formas de racismo e violência de gênero. O objetivo era fortalecer a capacidade de resposta da população quilombola, especialmente das mulheres, enquanto fomentava a cooperação dentro e além da Ilha de Marajó”, complementa.
A equipe da AME buscou reforçar as ações essenciais para a implementação de políticas públicas, especialmente no que diz respeito ao HIV/AIDS, alinhando-se com a Política Nacional de Saúde Integral da População Negra (PNSIPN) e a Política Nacional de Atenção Integral à Saúde das Mulheres (PNAISM).
A faixa etária do grupo de participantes das atividades do projeto variou entre 17 e 30 anos. Foram identificadas mulheres com qualidades de liderança, resultando em esforços adicionais para empoderá-las como catalisadoras de mudança dentro de suas comunidades.
Igualmente significativa foi a testagem para sífilis, hepatite e HIV, juntamente com o envolvimento de agentes do governo estadual e municipal. Isso fortaleceu os vínculos entre os serviços públicos e a comunidade, marcando uma mudança significativa em relação às práticas anteriores. Além disso, a participação de representantes do Ministério da Saúde desempenhou um papel fundamental no sucesso das iniciativas.
Para Rosângela de Carvalho, moradora da comunidade quilombola e uma das participantes do projeto, um dos principais impactos em sua vida foi ter ampliado o seu conhecimento sobre temas até então pouco discutidos, como HIV/AIDS. “Eu achei muito bom ter participado do projeto. Aprendi muito sobre HIV, sobre AIDS. Coisas que muitas vezes a gente ouvia falar, mas não tinha um conhecimento mais profundo. E nas oficinas aprendemos sobre prevenção, sobre como ajudar as pessoas que estão passando por essa situação difícil, desses problemas de discriminação. Aprendi muitas coisas, não só para mim, mas também para repassar para as pessoas que eu vejo que estão precisando.”
As atividades implementadas no âmbito do projeto incluíram a abordagem de tabus culturais em torno do HIV/AIDS, reconhecendo as sensibilidades dentro das comunidades quilombolas, mas ao mesmo tempo abrindo espaço para a promoção integral da saúde e prevenção de doenças, apoiados por estratégias populares de educação em saúde e uma forte abordagem de direitos humanos.
Atividades educativas, especialmente para crianças, foram integradas para identificar suas necessidades de saúde e educação. Isso envolveu métodos lúdicos para avaliar percepções e requisitos relacionados à saúde.
A inclusão de homens nas oficinas também foi um elemento crítico. Embora inicialmente reservados, eles se envolveram em conversas sobre uso de preservativos, masculinidades e saúde dos homens. Falaram também sobre preconceitos decorrentes de influências religiosas prevalentes na comunidade e seu impacto na saúde pública, especialmente em relação às infecções por HIV.
“Estamos felizes que, com o apoio que demos ao projeto ‘Caminhos do Norte’, foi possível promover um diálogo inclusivo, desafiando estereótipos de gênero e raça, e facilitando a compreensão mútua”, diz Claudia Velasquez, diretora e representante do UNAIDS no Brasil. “Esta iniciativa reforça a importância de considerar os determinantes sociais que impactam e dificultam o pleno acesso aos serviços de saúde por parte das populações em vulnerabilidade. É fundamental apoiar e fortalecer as comunidades a partir de suas próprias vivências e prioridades”, finaliza.