Una é uma cidade de pouco mais de 20 mil habitantes rodeada de belezas naturais em frente ao mar do Sul da Bahia. Há 14 anos, Rihanna Borges deixou este pequeno pedaço do paraíso para trás, primeiro em direção à vizinha Ilhéus e depois para São Paulo. O objetivo dessa reviravolta radical? “Eu precisava renascer como pessoa. Ter a liberdade de ser quem eu era de verdade. Queria ser plenamente Rihanna, esta mulher trans cuja essência não podia viver plenamente em Una.”
A trajetória de Rihanna reflete a de muitas travestis e mulheres trans que, em algum momento, precisam afastar-se da família e das amizades de infância para viver a vida plenamente. Desde que se reconheceu como uma mulher trans, ela teve o apoio e reconhecimento velado de sua mãe. Mas seu pai não aceitou, e isso gerou um acúmulo de conflitos e rejeição que lhe trouxeram muito sofrimento.
“Imagina a minha autodescoberta em uma cidade pequena, com profundas raízes conservadoras e machistas. Eu poderia sofrer qualquer tipo de violência. Quando parti de Una já tinha clareza de que eu não era aquela pessoa, que a minha identidade de gênero não era a que meu pai esperava. Tive de sair do meu lugar de origem e me entregar ao mundo, para ser uma pessoa plena”, recorda Rihanna. Ela hoje está reconciliada com o pai e mantém, em suas palavras, uma relação “agradável” com a família.
E completa: “O estigma e a discriminação roubam a nossa identidade como seres humanos, tentam nos destruir, nos transformar em pessoas sem importância, que podem ser abusadas, maltratadas, violentadas. Então, o apoio da nossa família é fundamental porque o mundo lá fora é cruel e destruidor”, ressalta.
Rihanna é uma das residentes da Casa Florescer, um espaço de acolhimento de travestis e mulheres trans em São Paulo com a qual o UNAIDS desenvolveu o Projeto FRESH, de estímulo à prevenção combinada do HIV, usando a arte fotográfica para estimular o autoconhecimento e o autocuidado. Ela foi uma das residentes fotografadas pelo fotógrafo americano Sean Black para o projeto.
“Quando vi a minha foto, senti o poder de mostrar a nossa essência, a beleza que cada uma de nós tem. Senti fortalecer em mim a certeza de como é importante, antes de mais nada, que a gente se cuide, se ame, para poder passar este amor para as outras pessoas e fazer frente ao estigma e discriminação”, diz Rihanna.
Em sua vida, ela procura traduzir a importância do autocuidado e da prevenção combinada e compartilhar este conhecimento com outras travestis e mulheres trans que também enfrentam diariamente o estigma e a discriminação. “Hoje eu trabalho com as mulheres trans e travestis para quebrar o estigma e a discriminação que nos afeta diretamente, trazendo informação sobre prevenção combinada, dando aconselhamento, acompanhando quando precisam recorrer a um serviço de saúde”, explica.
Há dois anos, Rihanna faz parte do projeto Manas por Manas, do Núcleo de Pesquisa em Direitos Humanos e Saúde LGBT+ (NUDHES) da Santa Casa de Misericórdia de São Paulo. O projeto prepara mulheres trans para atuar como “navegadoras de pares”, atuando junto com outras mulheres trans para conversar sobre suas experiências e direitos, apoiar na prevenção às infecções sexualmente transmissíveis, incluindo a informação sobre prevenção combinada e estratégias como a testagem, o uso de preservativos internos e externos, acesos à profilaxia pós-exposição (PEP) e à profilaxia pré-exposição (PrEP).
“Minha experiência pessoal é de que a adesão das travestis e mulheres trans a esses recursos, como a PrEP, ainda é baixa. Acho que o sistema de saúde precisa melhorar na sua relação com as populações mais vulneráveis, especialmente com travestis, mulheres trans, pessoas em situação de rua. Quantas vezes eu testemunhei profissionais de saúde se recusando a usar nossos nomes sociais ou nos tratando de forma preconceituosa quando vamos buscar informação ou atenção médica? Por causa disso, muitas se recusam a buscar a prevenção ou o tratamento porque se sentem destratadas e excluídas. Isto é inaceitável”, diz.
Com a sua atuação no projeto Manas por Manas e sua vivência na Casa Florescer, Rihanna procura ajudar a reverter este ciclo. Ela acredita na força da relação de sororidade e identificação criada quando ela atende e acompanha outras mulheres trans.
“Quero ver mais mulheres trans se envolvendo e atuando ativamente em iniciativas para a nossa comunidade a fim de quebrar o estigma e a discriminação. Hoje me sinto fortalecida quando vejo que posso ajudar a empoderar minhas manas, aconselhá-las e compartilhar experiências”, finaliza.