Especialistas e técnicos da área de prevenção visitam serviços de HIV em Porto Alegre e Brasília

Uma equipe de técnicos, especialistas e gestores do Departamento de Doenças de Condições Crônicas e Infecções Sexualmente Transmissíveis (DCCI) do Ministério da Saúde, da Organização Pan-americana da Saúde/Organização Mundial da Saúde (OPAS/OMS) e do Programa Cojunto das Nações Unidas sobre HIV/AIDS (UNAIDS) estiveram, nesta segunda-feira (10/6), em Porto Alegre (RS) para visitar serviços de saúde estaduais e municipais, além de participar de encontros com gestores e técnicos locais.

Esta visita faz parte da Reunião técnica para analisar o campo e práticas de prevenção do HIV no Brasil, convocada pelo DCCI, que acontece entre os dias 10 e 14 de junho no país. Ao longo desta semana, especialistas de organismos internacionais, organizações da sociedade civil, além de técnicos e gestores públicos, irão discutir a implementação de prevenção do HIV no Brasil, visando o cumprimento das metas regionais de prevenção de 2020 e de eliminação da AIDS como problema de saúde pública até 2030.

“O Brasil é um dos 25 países membros da Coalizão Global de Prevenção, uma iniciativa formada em 2017 para acelerar os esforços globais para a prevenção do HIV.  Em maio deste ano, o Ministério da Saúde participou de uma reunião da Coalização em Nairóbi com o objetivo de compartilhar experiências e boas práticas entre os países. A realização desta reunião técnica nacional reafirma o compromisso do país em seguir trabalhando para aprimorar suas estratégias de prevenção”, explica Cleiton Euzébio de Lima, diretor interino do UNAIDS no Brasil. “Ao longo desta semana,  os participantes da reunião poderão avaliar e discutir conjuntamente os avanços da resposta à epidemia no campo da prevenção, e também as lacunas e desafios para que o país consiga cumprir seus compromissos em relação às metas de prevenção para 2020 e 2030.”

O grupo iniciou os trabalhos da semana com uma visita à organização não governamental Casa Fonte Colombo, que presta serviços de acolhimento, testagem e aconselhamento a pessoas vivendo com HIV ou em situação de vulnerabilidade ao vírus na capital gaúcha.

“No início da epidemia, nosso objetivo era dar uma morte digna à pessoa. Com a evolução da resposta à epidemia de AIDS, transformamos a Casa Fonte em um centro de convivência para estas pessoas, facilitando o acesso e o vínculo ao tratamento antirretroviral”, explica o frei Luiz Carlos Lunardi, fundador da Pastoral da AIDS e um dos cofundadores da organização, mantida majoritariamente pelos freis capuccinos. “Agora nossa meta é garantir que nenhuma pessoa a mais se infecte e que nenhuma pessoa mais morra em decorrência da AIDS.”

Marlowa é frequentadora da casa e vive com HIV desde 2009
Marlowa é frequentadora da Casa Fonte Colombo vive com HIV desde 2009

Natural de Ibirá (RS), Marlowa Truss, travesti de 44 anos, vive com HIV desde 2009. Ela conta que descobriu sua sorologia por acaso. “Eu era trabalhadora do sexo e rodava todo o estado. Um dia, uma amiga travesti me convidou para vir aqui e eu vim só de curiosidade. Acabei descobrindo tempos depois que vivia com HIV. Hoje sou frequentadora da casa”, conta. “Aliás, me chama para fazer um comercial ou campanha sobre HIV que eu falo tudo, viu? Temos que ter mais campanhas de prevenção, alcançar mais pessoas.”

Além de três freis e três funcionários contratados, a Casa Fonte Colombo conta hoje com 47 voluntários, dos quais pelo menos 25% são sempre pessoas vivendo com HIV. O acolhimento é para todas as pessoas, independentemente de origem étnico-racial, religião, orientação sexual, identidade de gênero e classe social. “Acolhemos pessoas de todos os tipos, de ricos a pobres. Inclusive fazemos visitas mensais às casas daqueles que não conseguem se locomover, levando roupa, comida e insumos”, conta frei Lunardi. “Temos também um grupo que faz um trabalho de base, alcançando cerca de 500 famílias de Porto Alegre com orientações sobre prevenção do HIV. A Casa Fonte tem estrutura para receber cerca de 36 pessoas por dia, mas chega a colher 80 pessoas em dias mais cheios da semana.

A equipe técnica também visitou o Hospital Sanatório Partenon, que funciona como Centro de Testagem e Aconselhamento coordenado pela Secretaria Estadual da Saúde do Rio Grande do Sul. O Serviço de Atendimento e Terapêutica (SAT) conta com cerca de dez mil cadastros e quase cinco mil pacientes vivendo com HIV vinculados. Foi o primeiro centro de saúde a dispensar a PrEP (Profilaxia Pré-exposição) pelo serviço gratuito ofertado pelo SUS, em janeiro de 2018. “Porto Alegre e esta região metropolitana formam a localidade de maior incidência de HIV das Américas”, explica Letícia Ikeda, médica, servidora da Secretaria Estadual de Saúde do Rio Grande do Sul e coordenadora do departamento de AIDS da prefeitura de Viamão, na grande Porto Alegre. “Queremos nos posicionar de forma a poder oferecer expertise para prevenção, testar novas tecnologias e novas formas de monitoramento.”

De acordo com dados do último Boletim Epidemiológico do Ministério da Saúde, o Rio Grande do Sul é o estado com a terceira maior taxa de detecção de casos de AIDS no Brasil, com 29,4 casos a cada 100.000 habitantes. A taxa gaúcha é 38% maior do que a taxa nacional (18,3), apesar de ter caído 36% na última década. Porto Alegre é a capital brasileira com a maior taxa de detecção de casos de AIDS, com 60,8 casos a cada 100.000 habitantes, mas esse número também diminuiu significativamente (47%) nos últimos dez anos. Entre as 20 cidades brasileiras com 100.000 habitantes ou mais enfrentando as maiores cargas da epidemia de AIDS, oito ficam no Rio Grande do Sul.

Porto Alegre também é a cidade com a maior taxa de detecção de gestantes com HIV, com 21,1 casos a cada 1.000 nascidos vivos (a média nacional é de 2,8 casos). O estado e a capital ainda apresentam altas taxas de casos de AIDS em menores de cinco anos de idade. O Rio Grande do Sul fica em segundo (com seis casos a cada 100.000 habitantes) entre os estados brasileiros e Porto Alegre fica em primeiro (com 12,9 casos) entre as capitais. Os números de mortes relacionadas à AIDS também são altos. O Rio Grande do Sul é o estado com o maior coeficiente de mortalidade por AIDS, com 9 mortes por 100.000 habitantes. A média nacional é de 4,8 mortes.

O governo do Rio Grande do Sul e outras 14 cidades gaúchas são signatárias da Declaração de Paris desde 2015. Porto Alegre, Alvorada, Cachoeirinha, Canoas, Caxias do Sul, Esteio, Guaíba, Gravataí, Rio Grande, São Leopoldo, Santana do Livramento, Sapucaia do Sul, Uruguaiana e Viamão formam a força-tarefa interfederativa para o HIV/AIDS no estado e são consideradas prioritárias para a resposta à epidemia no Brasil.

A Declaração de Paris foi lançada pelo UNAIDS em 2014 e estabelece, entre outros pontos, o compromisso com as metas de tratamento 90-90-90—que, até 2020:  90% das pessoas vivendo com HIV estejam diagnosticadas; que destas, 90% estejam em tratamento; e que 90% destas pessoas tenham carga viral indetectável. Atualmente, o Rio Grande do Sul já testou 60% das pessoas estimadas com HIV em seu território, 70% destas estão em tratamento e 90% das pessoas em tratamento estão com carga viral indetectável.

Ao final do dia, a equipe visitou o Centro de Saúde Santa Marta, um dos principais de Porto Alegre. Lá, o grupo se reuniu com representantes da Coordenação Municipal de IST/AIDS, Vigilância epidemiológica, Consultório na Rua e do Serviço de Atendimento Especializado (SAE). Foram apresentadas as ações municipais, incluindo as ações do Consultório na Rua e o trabalho desenvolvido com as profissionais do sexo. “Nosso objetivo com esta missão é pensarmos juntos em estratégias articuladas com os territórios”, explicou Gil Casimiro, coordenador de Prevenção e Articulação Social do DCCI. “Porto Alegre tem uma epidemia de HIV considerada generalizada, mas temos que focar nossa atenção no princípio da equidade, com uma atenção especial às populações excluídas e mais vulneráveis.”

Foram apresentadas as ações municipais durante a visita ao Centro de Saúde Santa Marta

Visitas em Brasília

Na terça-feira, o grupo de especiaistas e técnicos visitou também dois serviços de saúde do Distrito Federal. A primeira parada foi no Hospital Dia e Ambulatório Trans do DF, situado na Asa Sul do plano piloto. O serviço conta com um cadastro ativo de cerca de 7.000 pessoas vivendo com HIV, mas nem todas são necessariamente fidelizadas. Duas vezes por semana, o Hospital Dia faz também a dispensação de PrEP para cerca de 350 pessoas já cadastradas. O Ambulatório Trans, que funciona no mesmo prédio, tem um cadastro ativo de cerca de 300 pessoas, a maioria homens trans—dos quais 60% são abaixo de 24 anos.

Ainda no mesmo dia, o grupo conheceu também o Núcleo de Testagem e Aconselhamento (NTA-Rodoviária), localizado na Rodoviária do Plano Piloto, região central de Brasília. Profissionais de saúde que prestam serviços no local informaram que registram cerca de 300 casos positivos de HIV por ano neste serviço, a maioria é de jovens estudantes universitários de classe média e média alta, de 15 a 25 anos. Ainda segundo eles, 70% das pessoas atendidas são homens e, destes, apenas cerca de 10% são heterossexuais, sendo a maioria formada por gays e outros homens que fazem sexo com homens.

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