Opinião: “Enquanto o HIV for visto como uma doença dos ‘outros’, e não das chamadas ‘pessoas decentes’, a AIDS não será vencida”

“Precisamos eliminar os rótulos de ‘nós’ e ‘eles’, de ‘indignos’ e ‘dignos’.

Em 2024, vimos mais avanços científicos incríveis na resposta ao HIV, com novos medicamentos de prevenção de longa duração oferecendo esperança real de acabar com a transmissão do HIV e mostrando o melhor que a humanidade pode alcançar.

Assim como esses avanços científicos demonstram o melhor da humanidade, no entanto, estamos testemunhando e vivendo tempos em que o pior da humanidade é exposto, onde a desumanização e o sofrimento são abundantes, e onde uma vida é considerada mais importante que outra.

Aproximadamente 9,3 milhões de pessoas vivendo com HIV não estão recebendo tratamento. Grupos marginalizados—como a comunidade LGBTQIA+, pessoas que usam drogas, mulheres e meninas—não têm o mesmo acesso a informações de saúde, medicamentos e apoio, porque suas circunstâncias de alguma forma tornam essas pessoas indignas. Chocantemente, 44% de todas as novas infecções por HIV no mundo são entre mulheres e meninas. O risco de infecção por HIV é 23 vezes maior para homens gays e outros homens que fazem sexo com homens do que para a população geral.

A desigualdade ameaça nosso futuro. O estigma e a discriminação, o medo e a negligência estão afastando milhões de pessoas dos serviços de saúde que salvam vidas e impedindo o fim da AIDS como uma ameaça à saúde pública. Isso, para mim, é de partir o coração, tanto pessoalmente quanto como fundador da Elton John AIDS Foundation.

Quando criei a Fundação em 1992, não havia medicamentos revolucionários, nem apoio governamental—mas havia muito ódio aos gays e muita vergonha em relação à AIDS.

Desde então, vimos grandes avanços. Testes eficazes de HIV, tratamento, prevenção e medicamentos pós-exposição, e os fundos para expandir dramaticamente seu uso, por iniciativas como o Plano de Emergência do Presidente dos Estados Unidos para o Alívio da AIDS (PEPFAR) e o Fundo Global para Combater a AIDS, Tuberculose e Malária, ajudaram dezenas de milhões de pessoas a acessar cuidados que salvam vidas. Mas a vergonha—a ideia de que as pessoas afetadas pelo HIV não merecem nossa ajuda—agonizantemente persiste.

Eu conheço o sentimento de vergonha e o que ele pode fazer. Cresci em uma era em que ser gay era visto como pecado. Embora nunca tenha escondido minha sexualidade, uma das razões pelas quais, mesmo como cantor e compositor de sucesso, passei a usar drogas foi porque sentia que não era amável o suficiente. Se não houvesse pessoas que realmente me vissem pelo que sou, em vez de me descartarem por causa da minha homossexualidade ou do meu vício, eu não estaria vivo hoje.

A vergonha causa sofrimento e perda. Os custos humanos que ela carrega são monumentais. Sabemos que o suicídio, a saúde mental precária, o abuso de substâncias e o risco de HIV são exacerbados pelo medo, ódio e marginalização. É hora de entendermos o verdadeiro preço e a perda da vergonha. Quando você considera as milhões de pessoas que foram desumanizadas e desfavorecidas pela diferença e indiferença—cientistas, artistas, pessoas acadêmicas e escritoras, lideranças de todos os tipos—cujas etiquetas os definiram e, em última análise, os destruíram e os dons que tinham a oferecer—parece que, como mundo, estamos sabotando nosso futuro.

De fato, um número crescente de “nós”, como pode ser politicamente conveniente definir, está se tornando “eles” para muitas de nossas lideranças e quem as segue. Em nosso mundo, e em um momento em que a própria democracia muitas vezes parece estar à beira do colapso, os valores democráticos de liberdade, igualdade e respeito mútuo estão sendo sistematicamente desafiados ou descartados.

Precisamos eliminar os rótulos de “nós” e “eles”, de “indignos” e “dignos”, em nossas sociedades—rótulos que levam a doença para a clandestinidade, causam sofrimento imensurável e, em última análise, destroem o potencial necessário e precioso.

É por isso que o trabalho da Elton John AIDS Foundation se concentra nas pessoas que muitas vezes estão sendo deixadas para trás. Trabalhamos em alguns dos países e contextos mais desafiadores porque acabar com a AIDS como uma ameaça à saúde pública depende do acesso para todas as pessoas, em todos os lugares.

Mas também precisamos que os governos de todo o mundo invistam em programas de prevenção, testagem e cuidados que possam manter as pessoas seguras; construir sistemas de saúde que não discriminem; e investir e compartilhar a riqueza de novas tecnologias e tratamentos que podem, em última análise, acabar com a AIDS como uma ameaça à saúde pública. Acima de tudo, as lideranças devem remover as leis que promovem o estigma e a discriminação, para que, como sociedades, possamos fomentar culturas que celebrem as diferenças, não as demonizem.

Há uma capela na minha casa em Windsor dedicada às amizades que perdi para a AIDS; suas memórias estão gravadas na minha alma. E de todas as pessoas que conheci nas últimas quatro décadas, desde uma jovem mãe em um bairro pobre da África do Sul até um homem gay em Kiev, aprendi que, enquanto o HIV for visto como uma doença dos ‘outros’, e não das chamadas ‘pessoas decentes’, a AIDS não será vencida.

Ciência, medicina e tecnologia podem ser o “quê” para acabar com a AIDS, mas inclusão, empatia e compaixão são o “como”. Demonizar outras pessoas, torná-las bodes expiatórios e assustar a sociedade sobre elas vem com muito drama e disfarce e se presta a segredos e mentiras. Abraçar as pessoas por suas diferenças honestas, reconhecer que todos temos uma contribuição única a fazer no mundo e que valemos a pena ser amados e salvos, é mais desafiador no mundo de hoje, mas, em última análise, mais enriquecedor e mais nobre. Certamente estamos à altura desse desafio?”

Elton John
Músico e fundador da Elton John AIDS Foundation – Artigo publicado no relatório do UNAIDS “Sigamos o caminho dos direitos”, lançado em 26 de novembro de 2024
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