Sasha deseja ter dois filhos. O sonho de Rihanna é ser respeitada sendo quem ela é. Deusa quer estudar administração. E tudo o que Alicia quer é realizar seus sonhos. No Dia Internacional de Enfrentamento da LGBTIfobia, a voz dessas quatro mulheres trans ecoa o desejo – e o direito – de ter uma vida digna, cheia de oportunidades e não sofrer violência, estigma e discriminação.
Elas fazem parte do grupo de 24 mulheres trans residentes da Casa Florescer, um centro de acolhimento em São Paulo, que participaram do Projeto FRESH, desenvolvido pelo UNAIDS. A iniciativa incluiu um ensaio fotográfico, liderado por Sean Black, fotógrafo norte-americano especializado no registro da comunidade LGBTI+, como parte de uma abordagem terapêutica para fornecer reforço positivo e estimular a mudança de comportamento.
Todas as fotos estão sendo divulgadas virtualmente hoje em cooperação com o escritório da Organização das Nações Unidas para a Educação, a Ciência e a Cultura (UNESCO) no Brasil, marcando as comemorações do Dia Internacional de Enfrentamento da LGBTIfobia.
Sasha Santos fala da emoção quando viu o resultado do seu ensaio fotográfico: “Em nossas vidas são tantas coisas ruins que a gente passa, e ao ver a minha foto eu tenho certeza de que sou capaz de muitas coisas. Acho que isso é o essencial para a nossa vida: a gente se amar. O meu sonho, agora, é fazer a minha faculdade, ter minha própria casa e ter meus dois filhos. Esse é o meu sonho.”
“Quando vi minha foto, vi uma mulher empoderada”, diz Rihanna Borges, que atualmente trabalha com outras mulheres trans para fornecer aconselhamento e apoio de pares na área da saúde. “Acho que o papel que desempenho hoje é incrível, trabalhando com outras irmãs, conversando com elas sobre a importância do autocuidado e da prevenção combinada do HIV.”
As desigualdades, o estigma e a discriminação afetam de maneira mais aguda as populações em situação de maior vulnerabilidade, como travestis e mulheres trans. Relatório da Associação Nacional de Travestis e Transexuais (Antra) indica que em 2021 foram registrados 140 assassinatos de pessoas trans no país, 99% dos casos tiveram como vítimas travestis e mulheres trans. No Brasil, as estimativas indicam uma prevalência do HIV superior a 30% entre a travestis e mulheres trans, muito superior aos números da população em geral, com prevalência ao redor de 0,4%.
“A participação no ensaio fotográfico serviu não apenas para mostrar a beleza interna e externa desse grupo de mulheres trans, para que se sintam mais empoderadas e autoconfiantes”, explica Claudia Velasquez, diretora e representante do UNAIDS no Brasil. “Igualmente importante foi ajudá-las a aprofundar a reflexão sobre o autocuidado, a importância de cuidar da saúde e de aderir às ferramentas de prevenção combinada do HIV, a fim de obterem um controle de seus corpos e de suas vidas e se sentir fortalecidas para fazer frente ao estigma e à discriminação”, completa.
A história de vida de cada uma das mulheres retratadas no ensaio fotográfico reflete o impacto das desigualdades e do estigma, que forçaram algumas delas a sair de casa contra a vontade, a recorrer a serviços sexuais para se manter, a ter uma grande dificuldade de conseguir empregos estáveis, a fazer uso de drogas ou sofrer diversos tipos de violências.
“Na Casa Florescer buscamos justamente trabalhar com as residentes um ciclo de autodescoberta e empoderamento para que possam construir uma trajetória que as levem a sair das situações de vulnerabilidade em que se encontravam”, diz Beto Silva, coordenador da Casa Florescer. “E a arte fotográfica, que foi uma parte importante do Projeto FRESH com o UNAIDS, foi uma forma muito eficiente para mobilizá-las e engajá-las.”
Alicia Kalloch lembra que no início sentiu-se um pouco insegura de acompanhar o projeto e participar do ensaio fotográfico final. “Essa insegurança vem das nossas vivências, de tudo o que a gente carrega, da nossa história. Mas, ao longo dos dias, eu tive a oportunidade de me fortalecer e me encontrar, de descobrir a beleza que às vezes eu achava que não tinha e fui me sentindo mais confiante”, destaca.
Deusa de Souza completa destacando que participar do Projeto FRESH foi uma oportunidade de autorreconhecimento. “Foi importante eu me ver, o meu empoderamento, a minha beleza. Minha autoestima melhorou, o meu bem estar também. Eu acho que comecei a ser reconhecida, uma beleza única, original, e acho que isso me fez brilhar”.
Rihanna finaliza compartilhando o seu desejo: “Meu sonho é que um dia este acesso que eu tive, todas as mulheres trans também possam ter. Que a sociedade possa nos ver mais livres, mais soltas e que muito mais mulheres trans possam se empoderar, dizer “hoje eu sou alguém” e sair dessa invisibilidade.