Nance Ferreira conheceu Silvio de Lima aos 15 anos, quando ainda era estudante. Ela já era parte do movimento estudantil na antiga escola quando mudou para a escola de Silvio, na cidade de Paulista, na região metropolitana de Recife, em Pernambuco. Silvio tocava em uma banda e Nance se apaixonou à primeira vista. Começaram a namorar e aos 19 anos ela ficou grávida da primeira filha, Alice. Quando a menina completou dois anos, o casal se separou. “Silvio tinha um espírito muito livre, e as ausências nos fins de semana passaram a incomodar, aí desandou o relacionamento”, conta Nance.
Em 2002, quase três meses depois da separação, Silvio ficou doente e apresentou algumas reações, desmaios e passou um período em estado de coma. Na época, falaram para Nance que ele tinha tido um AVC. Porém, como ex-companheiro permaneceu internado por um longo período, uma amiga contou para Nance que Silvio não tinha tido um AVC, mas que ele estava em situação de AIDS – e a causa da sua internação havia sido uma neurotoxoplasmose. Nance fez o exame para HIV, descobriu o diagnóstico positivo, iniciou o tratamento e passou a participar do grupo de acolhimento ‘Horas positivas’, que era realizado pela ONG Grupo de Trabalhos em Prevenção Posithivo (GTP+).
“Chegaram a falar que eu o tinha abandonado porque tinha ficado doente e muita gente acreditou. Foram poucos os que ainda falavam comigo, porque do meu lado, mesmo, ninguém ficou. Na época, Silvio era ídolo pop da região onde morávamos. Fui a odiada e não entendia a razão”, lembra Nance. Depois desse período, Silvio ficou muito doente. Ele não lembrava das pessoas, das histórias, ficou sem andar, sem falar e ficou muito magro. “Doeu meu coração. E quando eu pude levar Alice pra visitá-lo, ela não o reconhecia. Olhava para ele e saía correndo. E como ela era muito pequena, eu nem sabia como lidar com aquela situação. Era uma dor enorme”, relembra Nance.
Silvio seguiu cuidado por familiares e ele e Nance se afastaram. Nesse período, ela acabou se casando novamente, e deste casamento, que durou 12 anos, nasceu sua segunda filha, Ana Luisa. “Antes desse casamento eu tive outros relacionamentos. Eram pessoas que eu conhecia, que se apaixonavam por mim e quando eu dizia que tinha HIV, as pessoas sumiam. Aí quando conheci essa pessoa, que também vivia com HIV, achei que ia dar certo. Não deu”.
Nance passou por muitos altos e baixos. Teve depressão por quase cinco anos, foi diagnosticada com pré-câncer de colo de útero e chegou a parar o tratamento. “A depressão foi uma coisa que me abriu os olhos para o momento que eu estava vivendo. De casamento, de profissão, e inclusive me lembrou de todo esse período que fiquei distante do movimento social. Teve uma época que eram 15 comprimidos por dia. Eu não sabia o que fazer”, lembra ela.
Nance e Silvio voltaram a ter contato em 2018, quando ele enviou um convite para voltarem a se falar em uma rede social. Ela interpretou esse contato como uma forma de voltar ao passado e resolver a história entre eles, que até então não tinha todas as respostas. Neste período, ela terminou o casamento, se separou do marido, foi até Buíque, a quase 300 km da capital, para conversar pessoalmente com o ex-namorado. Após a retomada do contato entre os dois, a família de Silvio o colocou para fora de casa e Nance o convidou para ir para Olinda, onde Nance morava.
Eles passaram a viver juntos e, quando Nance foi buscar o medicamento antirretroviral de Silvio, a enfermeira disse que fazia oito meses que os medicamentos dele não eram retirados. Em decorrência também da falta de cuidados, Silvio teve uma infecção e precisou ficar internado novamente, dessa vez cuidado por Nance. Com a responsabilidade de cuidado pelo companheiro, mais o trabalho, as duas filhas e uma casa, ficou difícil para Nance garantir que tudo continuasse em ordem.
Após a internação, Nance passou a acompanhar Silvio para a fisioterapia, que era perto do GTP+. Foi quando passou a encontrar Wladimir e Sergio (fundadores da ONG), que a chamavam para visitar a sede. “Fui almoçar algumas vezes e Wladmir disse que gostaria que GTP+ voltasse a ter espaços com mulheres. Ele me convidou a participar do curso de confeitaria e depois disso comecei a pensar sobre retomar meu contato com o movimento social”, explica Nance.
O curso era no mesmo dia da fisioterapia de Silvio. Nance se envolveu com o GTP+ e, quando notou, já estava trabalhando na ONG. Hoje, Nance é coordenadora no GTP+ e lidera os projetos da confeitaria escola e da cozinha solidária. “Foi no GTP+ que eu vi que existia vida após o HIV. Fiz o curso da confeitaria, me desenvolvi e reconheço como vivência no GTP+ foi fundamental para mim”, finaliza ela.
Em 2021, o GTP+ lançou a Diversibike, uma bicicleta adaptada que leva produtos feitos por pessoas vivendo com HIV para serem vendidos ao público em geral. A bicicleta é uma das estratégias de geração de renda implementadas no contexto do projeto Cozinha Solidária, desenvolvido pelo GTP+, e que recebeu recursos do Fundo Solidário do UNAIDS, criado para apoiar atividades de empreendedorismo lideradas por pessoas vivendo com HIV e de populações-chave.