As primeiras injeções da vacina contra a COVID-19 estão sendo administradas no Reino Unido esta semana – uma vitória para o povo britânico e uma conquista notável para todos as pessoas envolvidas. Este acontecimento histórico, celebrado, com razão, com muito alívio e alarde, mostra o que pode ser feito quando investimento e vontade política se combinam para superar uma ameaça à saúde pública. Esses esforços, sem dúvida, salvarão milhares, senão milhões de vidas.
No entanto, estamos longe de celebrar uma vitória. Novas estatísticas divulgadas hoje pela People’s Vaccine Alliance mostram que 9 em cada 10 pessoas em países pobres não terão acesso à vacina contra a COVID-19 no próximo ano. Mais uma vez, os países mais pobres se encontram no fim da fila e terão de assistir à morte de muito mais pessoas antes que uma vacina se torne acessível para eles.
Isso ecoa tragicamente os primeiros dias da resposta à AIDS, quando o tratamento estava disponível apenas para as pessoas ricas, enquanto os países mais pobres tiveram que esperar anos antes de poder oferecer a seu povo o mesmo remédio que salva vidas. Foi uma tragédia evitável e não podemos permitir que isso aconteça com a vacina contra a COVID-19.
Os países ricos adquiriram doses suficientes para vacinar toda a sua população quase três vezes no próximo ano. Na verdade, as nações ricas que representam apenas 14% da população mundial compraram 53% de todas as vacinas mais promissoras até agora.
Nossa melhor chance de ficarmos em segurança em relação à COVID-19 é ter vacinas, diagnósticos e tratamentos disponíveis para todas as pessoas. Ninguém está em segurança em relação à COVID-19 até que todas as pessoas estejam seguras. A resposta à COVID-19 está reforçando as desigualdades existentes entre os países e a economia global continuará a sofrer enquanto grande parte do mundo não tiver acesso a uma vacina.
O sistema atual permite que as empresas farmacêuticas usem fundos do governo para pesquisas, mas mantenham o monopólio dos medicamentos, mantendo sua tecnologia em segredo para aumentar os lucros. Como aprendemos com a crise do HIV, esse monopólio custa muitas vidas. Se a história nos ensinou alguma coisa, é que as empresas farmacêuticas criam e protegem monopólios para maximizar os lucros como um objetivo maior do que melhorar a saúde pública.
As coisas estão aceleradas em relação à frente da vacina, mas os esforços para melhorar o acesso a uma vacina estão indo muito devagar. Vimos que a vacina Pfizer/BioNTech já recebeu aprovação no Reino Unido e é provável que receba aprovação de outros países, incluindo os EUA e a UE, dentro de alguns dias. Duas outras vacinas potenciais, da Moderna e Oxford (em parceria com a AstraZeneca) devem ser enviadas ou estão aguardando aprovação regulatória. As vacinas russa e chinesa anunciaram resultados positivos de testes. No entanto, todas as doses da Moderna e 96% da Pfizer/BioNTech foram adquiridas por países ricos.
Como destaque, a Oxford/AstraZeneca se comprometeu a fornecer 64% de suas doses para pessoas em países em desenvolvimento. No entanto, apesar de suas ações para aumentar a oferta, ainda podem atingir apenas 18% da população mundial no próximo ano, no máximo.
Devemos ter uma Vacina Popular, sem fins lucrativos. A menos que ações urgentes sejam tomadas pelos governos e pela indústria farmacêutica para garantir que doses suficientes sejam produzidas, a COVID-19 continuará a revelar as desigualdades existentes. As empresas farmacêuticas e instituições de pesquisa que trabalham com as vacinas contra a COVID-19 devem compartilhar a ciência, o conhecimento tecnológico e a propriedade intelectual relacionados às vacinas para maximizar a produção por outros produtores de qualidade. Isso permitirá que doses seguras e eficazes sejam fornecidas a todas as pessoas que precisam das vacinas ao mesmo tempo. E já existe um mecanismo global que facilita esse compartilhamento: a Organização Mundial da Saúde COVID-19 Technology Access Pool (C-TAP).
Lembro-me dos dias da criação do Medicine Patent Pool for HIV medicines (Pool de Patentes de Medicamentos para medicamentos para HIV, na tradução livre para o português), que resultou na produção de milhões de doses de anti-retrovirais acessíveis que são usados atualmente por pessoas em países em desenvolvimento. Portanto, temos um exemplo para aprender e fazer o C-TAP funcionar para os milhões que aguardam uma vacina.
Os governos devem fazer tudo ao seu alcance para garantir que as vacinas COVID-19 se tornem um bem público global—gratuitamente para o público, distribuídas de forma justa e com base na impossibilidade de pagar. Um primeiro passo seria apoiar a proposta da África do Sul e da Índia ao Conselho da Organização Mundial do Comércio nesta semana de renunciar aos direitos de propriedade intelectual para as vacinas, testes e tratamentos de COVID-19 até que todas as pessoas estejam protegidas.
A campanha por Vacina Popular está ganhando força. Na semana passada, nos EUA, mais de 100 lideranças de alto nível de organizações de saúde pública, justiça racial, justiça racial e de saúde pública juntaram-se a ex-membros do Congresso, economistas e artistas para assinar uma carta pública pedindo ao presidente eleito Biden que apoiasse uma vacina do povo. Na UE, uma ampla coalizão de sindicatos de profissionais da saúde, ONGs, grupos ativistas, associações de estudantes e especialistas em saúde lançou uma Iniciativa de Cidadania Europeia para uma vacina popular.
Agora é a hora de as empresas farmacêuticas e os governos tomarem providências e garantir que uma vacina contra a COVID-19 esteja disponível para todas as pessoas, em qualquer lugar, gratuitamente no local de uso. Só então o mundo começará a virar a maré na crise de COVID-19 e garantir que todas as pessoas possam ficar seguras e prosperar.
Winnie Byanyima, diretora executiva do UNAIDS
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