Na semana passada, o Supremo Tribunal das Caraíbas Orientais, corte maior da justiça de Antígua e Barbuda, tornou inconstitucional leis que criminalizavam relacionamentos entre consentidos entre adultos do mesmo sexo. Orden David, um homem gay, funcionário do Ministério da Saúde do país, levou o caso à Justiça.
Orden se autodescreve como uma pessoa privada e calma, características que nos últimos 8 anos fizeram dele um conselheiro de pessoas que o procuram para tratar com confidencialidade sobre dúvidas relacionadas ao HIV.
Orden David evita falar sobre suas experiências pessoais que o levaram a ser o rosto dessa ação contra as leis de “sodomia” até então existentes no seu país, mas algumas dessas experiências estão presentes no julgamento, tais como: insultos; bullying durante o período escolar; fotos suas tiradas por estranhos e postadas em redes sociais e duas momentos que ele foi vítima de violência física e, segundo David, a experiência mais perturbadora vivida: o assedio vindo de forças policiais que não ofereciam a ele a mesma proteção oferecida às demais pessoas do país. Em um desses episódios de assédio David ouviu a frase: “Por que você é gay?”. Já em outra ocasião, forças policiais negligenciaram notificá-lo sobre uma aparição no tribunal e o caso contra seu agressor foi extinto.
Em todos os países e territórios da região do Caribe que compõem a Commonwealth, as atitudes homofóbicas não são apenas uma questão de opinião pessoal ou de ensino religioso conservador. Para muitas pessoas, elas são sancionadas por Estados ainda mantêm leis do século XIX que criminalizam as relações entre pessoas do mesmo sexo.
Uma pesquisa online encomendada pelo UNAIDS em 2014 sobre homens que fazem sexo com outros homens (HSH), constatou que:
Orden David tem uma perspectiva única sobre como estas atitudes sociais de intolerância, abuso homofóbico, leis punitivas e falta de proteção legal – afetam o acesso da comunidade LGBTQIA+ aos serviços de HIV. Ele tem tido clientes que se recusam a aceitar ligações ou comparecer ao tratamento após o teste ter dado positivo.
“Como o país é tão pequeno e todos conhecem todos, há muito medo”
Orden David, funcionário do Ministério da Saúde de Antígua e Barbuda que levou o caso à Justiça.
“As pessoas têm medo de acessar os serviços por conta própria ou até mesmo de pegar seus remédios. Eu normalmente pego coisas para as pessoas. No Ministério da Saúde, distribuímos preservativos e lubrificantes gratuitamente, e o teste é gratuito. O acesso é bom, não há dúvida. Mas as pessoas, às vezes, se sentem tímidas e não encorajada a buscá-lo “.
A segunda reclamante no caso foi a organização não governamental Women Against Rape (WAR) – Mulheres contra o Estupro, em tradução literal para o português. Durante muitos anos, a WAR prestou aconselhamento a pessoas de comunidades chave e vulneráveis. O grupo alegou que membros da população lésbica, gay, bissexual e trans (LGBT) muitas vezes temiam tratamento hostil por profissionais de saúde, o que resultava em algumas pessoas a evitarem o exame, tratamento e acompanhamento do HIV.
“O HIV tem sido rotulado pela sociedade como uma doença ligada a um comportamento imoral”, disse Alexandrina Wong, diretora executiva da WAR. “Juntamente com o estigma arraigado em nossas leis e políticas, isto cria um ambiente hostil para populações vulneráveis, especialmente HSH, profissionais do sexo e pessoas trans que já foram empurradas para as margens da sociedade. Todas são indicações de que isto contribui para a transmissão do HIV”.
Já em 2021, outra pesquisa sobre direitos humanos, HIV e homens que fazem sexo com homens (HSH) também realizada pelo UNAIDS, encontrou resultados piores em toda a cadeia de testes e tratamentos para pessoas LGBTQIA+ em países onde essas pessoas são criminalizadas.
Aquelas que vivem em Estados com as leis mais repressivas tinham três vezes menos probabilidade de terem ciência de sua sorologia para o HIV do que pessoas de outros lugares.
E os HSH em países com penalidades criminais tiveram entre duas a cinco vezes mais probabilidade de estarem vivendo com HIV do que aqueles em países sem leis punitivas.
O caso de Antígua e Barbuda foi um de uma série de estratégias de litígio de cinco países coordenada pela Aliança do Caribe Oriental para a Diversidade e Igualdade (ECADE). diretora executiva da ECADE, Kenita Placide, refletiu que a iniciativa começou em 2015 quando ativistas se reuniram para discutir como as leis punitivas no Caribe aumentaram o estigma, a discriminação e até mesmo a violência.
“O processo de litígio é importante, pois ressalta como essas leis contribuem para a estigmatização das pessoas LGBTQIA+, como legitimam o discurso do ódio, a discriminação e a violência e o rasgo no tecido de nossa sociedade”. Nossos governos juraram proteger e defender os direitos de todas as pessoas e agir de forma a promover a prosperidade e o bem-estar de toda sociedade. Este julgamento está de acordo com este compromisso”, disseram eles.
A comunidade de Antígua e Barbuda sabe que a reforma da lei não é algo que mudará a cultura do país rapidamente, mas ela a considera um passo importante para acabar com as desigualdades que impulsionam o HIV, a injustiça e a falta de acesso às oportunidades.
“Agora temos segurança perante a lei. Temos que ver como conseguimos que familiares e pessoas da igreja veem as pessoas como iguais, independentemente da orientação sexual, classe, credo ou qualquer coisa do gênero. O julgamento abre o caminho para níveis mais altos de aceitação para inclusão e diversidade”, finalizou Wong.