Em 2019, 48 países e territórios impõem alguma forma de restrição com base no estado sorológico ou exigem um teste de HIV, o que impede as pessoas vivendo com HIV de entrar, transitar ou estudar, trabalhar ou residir legalmente em um país, exclusivamente com base em seu estado sorológico positivo para o HIV.
Mehdi Beji (nome fictício) mal podia esperar para começar seu novo emprego em um país do Oriente Médio. Ele já havia feito as malas, se despedido da Tunísia e preenchido toda a papelada solicitada por seu novo empregador. Antes do seu contrato ser aprovado, ele apresentou os resultados dos exames de sangue que haviam sido solicitados. Porém, depois de começar a trabalhar, foi pedido que fizesse novamente os exames de sangue.
“Depois de um mês, entraram em contato para que eu fosse buscar meu cartão de crédito, mas quando cheguei no shopping fui preso pela polícia”, disse o Sr. Beji. Na delegacia de polícia, ele foi informado de que as leis do país negam residência a pessoas vivendo com HIV.
“Eles me deportaram para a Tunísia sem dinheiro e eu não consegui recuperar meu salário de dois meses”, conta o Sr. Beji. “Quando entrei em contato com o banco, eles me informaram que a única maneira de acessar minha conta era através do cartão bancário que eles se recusaram a me conceder”.
Tratado como um criminoso
Durante 12 anos, Karim Haddad (nome fictício) viveu e trabalhou em um país do Oriente Médio. Durante a realização de exames médicos para obter a autorização de residência no país, o seu sangue foi testado para HIV sem o seu consentimento. No dia em que foi recolher os resultados do teste, os agentes da polícia o algemaram e o trancaram em uma sala.
Quatro dias mais tarde, as autoridades informaram que a sua deportação era iminente devido ao seu estado sorológico. “Eu não sabia nada sobre o vírus, então perguntei o que era HIV e não obtive resposta”, disse Haddad. Ele lembrou de se sentir paralisado pelo medo.
Quando perguntou sobre sua esposa e filhos, disseram que todos embarcariam no mesmo voo e o encontrariam no aeroporto. Quanto aos seus direitos financeiros ou aos seus pertences, ele disse que não paravam de repetir: “Você não tem direitos”.
“Deixei o país como se fosse um criminoso”, lembra Haddad, ainda incrédulo.
Pesadelo
Os relatos acima são experiências que Amina Zidane (nome fictício) conhece muito bem. Ela deixou a Argélia aos 19 anos para trabalhar. Depois de alguns anos, o seu exame médico anual não correu como de costume.
“Eu podia ouvir as enfermeiras sussurrando umas para as outras: ‘É essa aí’”. Ela suspeitava que algo estava errado, então pediu à irmã, que a acompanhou até a clínica, para obter os resultados. “Minha irmã me disse que a polícia estava lá em baixo dizendo que tinham vindo para ‘prender uma mulher com AIDS’”, conta.
Ela lembra de ter sido levada para a prisão e de rezar para que houvesse um erro ou que fosse apenas um pesadelo. “Eles não abriram a porta, apenas me davam comida através de uma pequena janela”, disse a Sra. Zidane.
Uma semana depois, as autoridades a deportaram. “Eu fui deixada na fronteira com o meu passaporte e o meu filho”, lembra. O marido escapou porque não queria ser deportado. “Catorze anos da minha vida desapareceram sem mais nem menos e eu não fiz nada de errado.”
Filho perdido
Sabrina Abdallah (nome fictício) viveu em um país do Oriente Médio durante a maior parte da sua infância. Depois de se formar em ciências da computação, casou-se com um colega sudanês. Eles se alegraram quando tiveram um bebê.
Com apenas três meses de idade, o filho começou a sentir um frio que não passava. Apesar de estar em um hospital, sua condição não melhorou. “É muito difícil ver o filho sofrer e ao mesmo tempo tão indefeso”, conta. No início, o médico pensou que o filho poderia ter câncer, mas ele foi testado e recebeu um diagnóstico positivo para HIV. “Enquanto eu estava no meio da minha ansiedade e medo, espalharam fofocas sobre o meu filho, e o colocaram sozinho em um quarto, sem que ninguém cuidasse dele”, lembra.
A Sra. Abdallah fez o teste de HIV e descobriu que também estava vivendo com HIV. “Pediram-me para pegar o meu filho e ir para casa”, disse ela. “Eles não o deixaram ficar internado no hospital e até designaram um policial para nos escoltar e garantir que não deixaríamos o bebê para trás.”
Com a criança nos braços, ela tentou obter algumas respostas. Foi quando o marido dela lhe disse que sempre soube do seu estado sorológico para o HIV. Ela não conseguia entender por que ele havia escondido algo assim dela. A polícia levou o marido para a prisão e 10 dias depois foram todos deportados para o Sudão. Ela começou o tratamento, mas infelizmente era tarde demais para o seu filho.
Acabou divorciada do marido porque nunca conseguiria perdoar a morte do filho.
Estudante desenraizado
Durante dois anos, Miriam Pepple (nome fictício) estudou numa universidade da Europa Central. Pagou as taxas de matrícula e adaptou-se à vida estudantil longe de casa. Quando começou a ter dores abdominais, foi para a clínica de estudantes. Aconselharam que fosse operada. Ela fez exames de sangue, mas não pensou nisso, uma vez que tinha submetido os seus exames clínicos para obter uma licença de estudante enquanto estava no seu país natal, a Nigéria.
Ela disse que a universidade lhe pediu para fazer mais exames de sangue e trazer o passaporte. Depois de pedirem para que visitasse vários gabinetes do Ministério da Saúde, informaram que ela devia se apresentar em uma delegacia de polícia. Um dia depois, as autoridades entregaram-lhe um bilhete de avião para Abuja, na Nigéria, juntamente com uma carta do serviço de imigração que afirmava que ela era uma imigrante inadmissível.
O que a chocou ainda mais, disse ela, foi a carta que recebeu da sua universidade. “Eles disseram que eu havia terminado meus estudos por minha própria iniciativa”, lembra Pepple.
“Perdi minha autoestima, dignidade e respeito”, disse. Sua esperança é que ninguém jamais receba o mesmo tratamento, por conta do enorme efeito social e psicológico que isso teve sobre ela.
Vida esmagada
Pradeep Agarwal (nome fictício) era um homem de negócios bem sucedido, que trabalhava em todo o Oriente Médio. Ele trabalhou em três países do Golfo por mais de 10 anos até que viu sua desmoronar ao seu redor.
“Em questão de horas, perdi meu emprego, minha dignidade e meu lar”, disse Agarwal. “Fui informado de que vivia com HIV e que tinha de deixar o país”. Ele conta que foi escoltado pela polícia até uma sala de quarentena. “Depois de ter sido tratado durante anos com respeito e dignidade, encontrei-me com outras pessoas de todas as nacionalidades, entre elas médicos e engenheiros, tratadas da mesma forma desumana”, disse ele.
“Nem sequer me deram um relatório médico que esclarecesse o que estavam acontecendo e falaram em árabe, idioma que não entendo”, disse ele. “De repente, virei um criminoso aos olhos deles.
Após seu retorno à Índia, ele ficou deprimido e não conseguiu encontrar outro emprego. Ele acredita que deportar pessoas que vivem com HIV dá aos governos uma falsa garantia de que suas sociedades estão seguras. “Na verdade, essas restrições de viagem e expulsões levam as pessoas à clandestinidade, o que piora a situação”, disse Agarwal. “Quero que as pessoas estejam mais conscientes dessas violações”, acrescentou. “Eu quero que as restrições acabem, para que outros não sofram o mesmo destino horrível que eu sofri”.
O UNAIDS acredita que essas leis discriminam, impactam nos direitos humanos e não possuem nenhuma justificativa de saúde pública.
“Para muitas das milhões de pessoas vivendo com HIV em todo o mundo, as restrições de viagem são um lembrete diário de que a discriminação continua enraizada em políticas prejudiciais”, disse Luisa Cabal, Diretora Interina do UNAIDS no Departamento de Apoio Comunitário, Justiça Social e Inclusão. “Eles negam a liberdade das pessoas e, pior ainda, forçam as pessoas a abandonar seu local de trabalho, sua escola e seu lar.“