“Ninguém em meu grupo de amigos ou poucos da minha geração conhecem alguém que morreu por causa da AIDS. No passado, porque as gerações passadas viviam e testemunhavam tantas mortes relacionadas à AIDS, havia essa cultura de medo que já não está presente entre nós. No entanto, não substituímos [essa cultura do medo] por nada mais positivo”, diz o youtuber brasileiro Murilo Araújo, 26, que se descreve em seu canal Muro Pequeno como “orgulhoso de ser gay, negro, católico, orgulhoso de ser resistência em uma sociedade que me diz o tempo todo que não posso ser nada disso.”
Araújo estava entre vários jovens youtubers, influenciadores e ativistas virtuais que participaram de conversas inspiradoras organizadas pelo UNAIDS em São Paulo, Brasil, no final de maio (30/5). Tabus, estigma dentro e também contra a comunidade gay, discriminação contra pessoas vivendo com HIV e comunicação para uma geração altamente conectada. Estes foram alguns dos tópicos debatidos por eles e moderados pela jornalista e Embaixadora de Boa Vontade do UNAIDS, Glória Maria. “Por que vocês acham que a epidemia do HIV voltou a crescer entre os jovens e, de maneira até mais acelerada entre os jovens homens gays?”, perguntou a Glória para provocar o debate logo no início.
“A gente via muito na sala de biologia, via campanha. Mas é muito difícil, Glória, a gente associar essa biologia, essa fisiologia que ensinam pra gente com o dia-a-dia, com relacionamento, com afeto, com a experiência sexual. Eu acho que é justamente essa conexão que está faltando e que a gente procura fazer”, diz o ator e youtuber Gabriel Estrela, 25, do canal Projeto Boa Sorte. O ponto de vista de Estrela, que fala abertamente sobre ser HIV positivo, reflete o crescente conservadorismo no Brasil e seus impactos reais no sistema educacional. “Parecia algo muito distante, que era algo de filme”.
As taxas de detecção de casos de AIDS no Brasil cresceram substancialmente entre homens jovens na última década—especialmente entre gays e homens jovens que fazem sexo com homens. De acordo com dados do Ministério da Saúde, a taxa quase triplicou entre os jovens de 15 a 19 anos, e mais do que dobrou entre os entre 20 e 24 anos. Os números recentes do estado de São Paulo, o maior e mais populoso estado do Brasil, mostram uma prevalência de HIV de 15% entre homens gays e outros homens que fazem sexo com homens.
Editor da Revista Galileu, uma das revistas mensais mais influentes do Brasil entre os jovens, o jornalista Nathan Fernandes, 28, enfatizou que, sobre HIV especificamente, “a imprensa tem um papel importantíssimo desde o começo da epidemia. Os primeiros casos surgiram pelos jornais. Antes de a sociedade civil pensar em alguma resposta, não tinha nem pergunta ainda, os jornais já estavam trazendo os casos e informando sobre isso”, lembra Fernandes. “Mas também foi a imprensa que reforçou o preconceito, reforçou termos como ‘praga gay’, ‘câncer gay’. Na Galileu a gente é muito consciente desse poder que a imprensa tem de influenciar e de levantar esses temas, e a gente tem que fazer isso com muito cuidado”.
À medida em que as redes sociais gays se tornam populares, as discussões sobre HIV e prevenção tendem a ganhar o foco, diz André Fischer, diretor do Hornet Brasil. “Não tem como a gente fugir dessa questão de que a AIDS, ela sim, é uma das questões que, talvez, a gente tenha falado menos durante um tempo para tentar desmistificar de que não eram só gays que tinham AIDS [sic]”, explica. “Continua sendo um tabu muito forte, claro. Mas, cada vez mais, as pessoas estão conseguindo falar mais abertamente do seu estado sorológico (positivo para o HIV) “.
O jovem ativista digital, Matheus Emílio, 22, diz que é possível incluir o HIV nas discussões das redes sociais e ajudar a quebrar o estigma e a discriminação em torno do assunto. Matheus administra a página do Facebook Menino Gay, com foco na comunidade LGBTI+, cujas mensagens alcançam, em média, mais de 600.000 seguidores. “Então não é uma página voltada para algo da saúde, é uma página para o público LGBTI+ onde, além de falar sobre nossos direitos, além de falar sobre música, sobre a cultura LGBTI+, a gente consegue também transmitir essa informação, passar também essa questão relacionada à saúde e à prevenção”, diz Emilio, que foi diagnosticado HIV positivo há dois anos e fala abertamente sobre sua sorologia.
Youtubers e educadores sexuais Tuy Potasso, 24, e Biel Vaz, 27, do canal do youtube Sensualise Moi, também compartilharam suas experiências como influenciadores on-line. “Biel e eu nos casamos há cinco anos. Nós nos identificamos como um casal bissexual liberal que agora está vivendo uma relação de poliamor. E é assim que gostamos de viver nossa sexualidade. E isso não deve ser marcado em nossas testas como algo ruim “, disse Tuy.
A série de debates #EseFosseComVocê? foi organizada pelo UNAIDS em parceria com a Embaixada Britânica, Ogilvy Brasil, Hornet e Cultura Inglesa. O evento, que foi transmitido ao vivo em diversas contas no Facebook, alcançou mais de 300.000 espectadores online.
Em um dueto com Gabriel Estrela, a também Embaixadora de Boa Vontade do UNAIDS Wanessa Camargo encerrou a noite de debates prestando uma homenagem ao cantor e compositor Cazuza – que morreu por complicações causadas pela AIDS no final da década de 1980. Cazuza foi um dos ícones da luta contra a epidemia nos anos iniciais de sua descoberta.