O UNAIDS está profundamente preocupado com os relatos de que a epidemia de COVID-19 está sendo usada como desculpa para atingir populações marginalizadas e vulneráveis, restringir o espaço da sociedade civil e aumentar os poderes policiais. Em particular, o UNAIDS está extremamente apreensivo com os relatos de novas leis que restringem direitos e liberdades e visam atingir grupos criminalizados de maneira prejudicial aos direitos e à saúde das pessoas que vivem com HIV ou são vulneráveis ao vírus.
“Em tempos de crise, poderes emergenciais e agilidade são cruciais; no entanto, eles não podem prejudicar os direitos dos mais vulneráveis ”, disse Winnie Byanyima, diretora executiva do UNAIDS. “Os pesos e contrapesos que são a pedra angular do Estado de Direito devem ser exercidos para evitar o uso indevido de tais poderes. Caso contrário, podemos ver uma reversão de grande parte dos progressos realizados em direitos humanos, direito à saúde e resposta à AIDS.”
A experiência de epidemias passadas e presentes mostra claramente que uma resposta eficaz a crises de saúde, como a da COVID-19, deve estar profundamente enraizada na confiança, na solidariedade humana e no respeito inabalável pelos direitos humanos.
No entanto, surgiram recentemente relatos de que alguns países estão usando poderes de emergência ou justificativas de saúde pública para restringir direitos relacionados à autonomia pessoal, à identidade de gênero, à liberdade de expressão e à saúde e aos direitos sexuais e reprodutivos. Também houve relatos de aumento de penalidades criminais em relação à transmissão, exposição e não divulgação do estado sorológico positivo para HIV, além de uso de poderes policiais para atingir, por meio de prisões e brutalidade, grupos vulneráveis e criminalizados, como trabalhadoras do sexo, pessoas que usam drogas, pessoas vivendo com HIV e lésbicas, gays, bissexuais, pessoas trans e intersex (LGBTI).
Na Hungria, foi apresentado um novo projeto de lei para remover o direito das pessoas de mudar o gênero e nome em documentos oficiais, a fim de garantir a conformidade com sua identidade de gênero, violando claramente os direitos humanos internacionais ao reconhecimento legal da identidade de gênero.
Na Polônia, uma emenda à lei criminal que aumenta as penalidades pela exposição ao HIV, não divulgação e transmissão de pelo menos seis meses a até oito anos na prisão, foi aprovada—uma clara violação das obrigações com os direitos humanos internacionais de remover leis criminais específicas para o HIV.
O UNAIDS está preocupado com relatos de países que recorrem ao uso do direito penal, como a criminalização da transmissão da COVID-19, e prendem e detêm pessoas por violarem restrições. Nossa experiência na epidemia de HIV é que a criminalização da transmissão de vírus leva a violações significativas dos direitos humanos, prejudica a resposta e não se baseia na ciência.
A capacidade de provar a transmissão real de uma pessoa para outra, bem como a intenção necessária, é quase impossível e falha em atender aos requisitos do Estado de Direito para criminalização. A criminalização é frequentemente implementada contra comunidades vulneráveis e estigmatizadas. Em Uganda, 23 pessoas ligadas a um abrigo para prestar serviços à comunidade LGBTI foram presas—19 foram acusadas por ato negligente que poderia espalhar infecção ou doença. Estas 19 pessoas estão detidas sem acesso a um tribunal, representação legal ou medicamento.
O UNAIDS também está preocupado com os relatos de vários países sobre uso da brutalidade policial na aplicação de medidas, usando violência física e assédio e visando grupos marginalizados, incluindo trabalhadores do sexo, pessoas que usam drogas e pessoas sem-teto. O uso da lei criminal e da violência para impor restrições de movimento é desproporcional e não é informado por evidências. Sabe-se que essas táticas são implementadas de maneira discriminatória e têm um efeito desproporcional sobre os mais vulneráveis: pessoas que, por qualquer motivo, não podem ficar em casa, não têm casa ou precisam trabalhar por razões de sobrevivência.
No Quênia, as organizações da sociedade civil, motivadas por preocupações sobre ações não consistentes com uma resposta epidêmica baseada em direitos humanos, emitiram um parecer consultivo pedindo que uma abordagem baseada em direitos humanos fosse adotada na resposta à COVID-19 e publicaram uma carta exigindo um foco no envolvimento da comunidade e no que funciona para prevenção e tratamento, em vez de abordagens desproporcionais e coercitivas.
Embora alguns direitos possam ser limitados durante uma emergência para proteger a saúde e a segurança pública, essas restrições devem ter um objetivo legítimo—nesse caso, conter a pandemia da COVID-19. Eles devem ser proporcionais a esse objetivo, necessários, não arbitrários, informados por evidências e legais. Cada ordem, lei ou ação da polícia também deve ser passível de revisão por um tribunal. Os poderes de aplicação da lei devem igualmente ser definidos de forma estrita, proporcionale necessária.
Diante disso, o UNAIDS pede a todos os países que garantam que quaisquer leis e poderes de emergência sejam limitados a um período de tempo razoável e e que sejam renováveis somente por meio de processos parlamentares e participativos apropriados. Devem ser estabelecidos limites estritos ao uso dos poderes policiais, juntamente com a supervisão independente das ações e recursos policiais por meio de um mecanismo de responsabilização e transparência.
Restrições aos direitos relacionados à não discriminação com base no estado sorológico de HIV, saúde sexual e reprodutiva, liberdade de expressão e identidade de gênero, detalhadas acima, não auxiliam na resposta à COVID-19 e, portanto, não têm um objetivo legítimo. O UNAIDS apela aos países que revoguem quaisquer leis implementadas que não possam ser consideradas com o objetivo legítimo de responder ou controlar a pandemia da COVID-19.