A Equipe Conjunta do UNAIDS no Brasil, acompanhada de uma representante do Departamento de Doenças de Condições Crônicas e IST (DCCI) do Ministério da Saúde, esteve na cidade de Boa Vista (RR) para um ciclo de encontros com parceiros locais, incluindo representantes dos governos municipal e estadual, da sociedade civil e de outras agências e programas das Nações Unidas que atuam no local. O objetivo foi avaliar os principais desafios da resposta ao HIV no estado e prospectar possíveis oportunidades de apoio à coordenação de projetos em andamento e à implementação de novas iniciativas conjuntas com foco na prevenção e cuidados em relação ao HIV e à AIDS.
Durante os três dias da missão, que aconteceu entre 10 e 12 de julho, foram realizadas conversas com diversos grupos, que possibilitaram à Equipe Conjunta ter uma visão ampla do contexto local da epidemia e do que está sendo realizado em relação ao HIV no estado e na cidade de Boa Vista, principalmente, nas esferas da saúde, segurança, educação e direitos humanos.
“É importante coordenar as ações da Equipe Conjunta do UNAIDS com aquelas que já estão sendo executadas no estado. À medida que somamos esforços, conseguimos ter um maior impacto e trazer mais benefícios para as pessoas. Esse é o objetivo principal”, explica Cleiton Euzébio de Lima, diretor interino do UNAIDS no Brasil. “Além disso, pudemos conhecer as necessidades e lacunas no município e no estado para, em conjunto com estes gestores e parceiros, pensarmos em projetos e ações conjuntas que possam contribuir para a aceleração da resposta ao HIV, em especial para aquelas populações mais vulneráveis, que, no contexto de fronteira, incluem também os migrantes e refugiados.
A resposta ao HIV sob a perspectiva do poder público
A equipe conheceu as ações realizadas pela Secretaria Municipal de Saúde (SMSA), principalmente em relação à capacidade municipal de prevenção e manejo clínico do HIV, sífilis, hepatites, entre outras infecções sexualmente transmissíveis (IST). Recebeu também dados sobre o acesso de venezuelanos aos serviços de saúde no município, incluindo o tratamento para HIV e serviços de saúde sexual e reprodutiva.
Durante a missão, o grupo também se reuniu com representantes da Secretaria de Estado da Justiça e Cidadania (SEJUC) para conhecer melhor o trabalho com as pessoas privadas de liberdade, que, segundo o governo, têm recebido testagem rápida e tratamento no caso das pessoas diagnosticadas com HIV. Segundo as autoridades locais, o público LGBTI do sistema carcerário do estado fica em celas especiais, mas não existe, ainda, uma política de estado voltada para seu atendimento. “Pessoas privadas de liberdade apresentam prevalências do HIV maiores que aquelas encontradas na população em geral. A epidemia de HIV demanda uma resposta intersetorial, por isso foi importante visitar essas entidades, que podem contribuir no fortalecimento destas ações”, esclarece Lima.
Houve ainda encontros com o Conselho Estadual LGBTI e com a Secretaria Estadual de Saúde e a Secretaria Municipal de Educação. Todas essas reuniões serviram para que a Equipe Conjunta do UNAIDS pudesse construir um relatório com informações e recomendações que serão apresentadas aos demais membros do Sistema das Nações Unidas no Brasil e ao Ministério da Saúde.
Populações-chave e a resposta local
Projetos que visam a população LGBT – tanto no auxílio de brasileiros, como de imigrantes – e a sociedade civil também estiveram no foco da missão. O grupo teve conversas com a Associação de Bem com a Vida (ABV); com o Fórum de ONG AIDS, representantes do Movimento Nacional das Cidadãs Positivas (MNCP), do coletivo Mães pela Diversidade e a Pastoral da AIDS; e também com a Associação de Travestis, Transexuais e Transgêneros do Estado de Roraima (Aterr).
O grupo visitou também a ONG Valientes por La Vida, criada pela venezuelana Nilsa Hernandez, 62 anos, que cruzou a fronteira da Venezuela com o Brasil, em 2018, em busca de tratamento para o HIV.
“Não tinha tratamento para minha condição e o lugar mais perto, para mim, era o Brasil. Não sabia como era o sistema de saúde aqui, mas, não queria morrer. Vendi várias coisas e vim para o Brasil. Vim pela minha vida”, explica Nilsa. Após dois anos sem tratamento, Nilsa chegou ao Brasil e ficou vivendo nas ruas com sua família. “Vivemos muitas coisas, passamos muitas dificuldades, mas consegui atingir meu objetivo: consegui tratamento”.
Por conta de sua história e de sua vitória, Nilsa resolveu criar a organização para poder possibilitar aos seus irmãos venezuelanos a busca pelas oportunidades que teve no Brasil. “O nome ‘Valientes’ veio porque, desde pequena, quis ajudar as outras pessoas. E meu sonho sempre foi ajudar meu país e meus irmãos. ‘Valientes’ porque precisamos sê-lo para enfrentar a vida. Nossa marca é a luta para conseguir o que precisamos. Nas ruas pedi comida, sentimos medo, mas sempre tivemos esperança.”
Há um ano em funcionamento, a ONG já recebeu 70 pessoas que vivem com HIV, e já ajudou também pessoas com outros tipos de necessidade. Todos venezuelanos, mas Nilsa deixa claro que há espaço para todos: “Brasileiros também podem nos procurar. Não temos diferenças, somos todos irmãos”, encerra.
Ações com venezuelanos
No abrigo Latife Salomão, que acolhe atualmente cerca de 470 venezuelanos, e no Posto de Triagem de Boa Vista (PTRIG), que recebe diariamente 300 venezuelanos para realização de atendimento humanitário, entre outras coisas, o grupo conheceu as ações lideradas pela Operação Acolhida, do governo federal.
A Operação é definida pelo Exército como “uma Força-Tarefa Logística Humanitária, cuja atividade principal é a coordenação dos trabalhos das várias agências ministeriais presentes, com a finalidade de fornecer os serviços públicos essenciais e necessários para receber esse pessoal e alimentá-los, bem como de garantir-lhes saúde, segurança e assistência social.” Algumas destas ações contam com apoio de agências da ONU.
No PTRIG, foi possível acompanhar as ações de testagem de HIV promovidas pela equipe do Fundo de População das Nações Unidas (UNFPA) junto a venezuelanos recém-chegados a Boa Vista. Ao todo, em um único dia, foram feitos 43 testes, que após o resultado receberam o encaminhamento devido. Foram dois resultados positivos para HIV e oito para sífilis. O Fundo de População é um dos organismos copatrocinadores que formam a Equipe Conjunta do UNAIDS.
Laila Rocha é enfermeira e trabalha no UNFPA com questões de saúde sexual e reprodutiva. Ela participa ativamente das ações do Fundo no PTRIG, local onde os imigrantes têm o 1º contato com o Brasil. “O UNFPA está presente na resposta à crise humanitária em Boa Vista desde agosto de 2017 atendendo mulheres, jovens da comunidade LGBTI e pessoas idosas”, explica. A meta do organismo da ONU é desenvolver ações estratégicas que contribuam para que o governo local potencialize a resposta nos casos de IST e HIV/AIDS, além de apoiar com ações diretas de informação e acompanhamento de casos.
O grupo visitou também o Centro de Referência para Refugiados e Migrantes na Universidade Federal de Roraima (UFRR), com ações coordenadas de ACNUR, OIM, UNICEF e UNFPA para o atendimento de imigrantes e venezuelanos demandantes de imigração e refúgio. “Histórias são as que mais marcam, pois demonstram que o HIV tem diversas faces e vulnerabilidades, e se queremos frear a epidemia, precisamos ter um olhar para essas histórias”, conclui o diretor interino do UNAIDS.
Além do atendimento, as equipes das ONU distribuem preservativos e outros insumos de prevenção, oferecem testagem para HIV e fazem encaminhamento para os serviços de saúde. Folhetos informativos, como este, também são distribuídos aos visitantes.
Prevenção do HIV dentro da ONU
O UNAIDS Brasil realizou, ainda, na manhã do dia 12 de julho, um bate-papo com representantes de várias agências da Organização das Nações Unidas (ONU) sobre prevenção combinada do HIV. O encontro, realizado na UFRR, contou com a participação de cerca de 40 funcionários e consultores que atuam no estado.