Os dados são claros: os jovens vêm sendo mais impactados pela epidemia de AIDS no mundo todo. O Boletim Epidemiológico sobre HIV e AIDS do Ministério da Saúde, divulgado em 2016, indica que, de 2006 a 2015, os casos de AIDS triplicaram na população masculina de 15 a 19 anos. Nos homens brasileiros com 20 a 24 anos, a taxa de detecção praticamente dobrou: 15,9 para 33,1 por 100 mil habitantes.
É preciso evoluir. Fazer mais do mesmo não é uma opção.
Por isso, nós juntamos as forças do Departamento de IST, Aids e Hepatites Virais (DIAHV) do Ministério da Saúde e do Programa Conjunto das Nações Unidas sobre HIV/AIDS (UNAIDS) no intuito de inovar e promover iniciativas diferentes. Por diversos caminhos, chegamos à mesma conclusão: fortalecer o engajamento juvenil era necessário.
Avaliamos que o jovem de hoje enfrenta enormes desafios, incluindo perspectivas incertas de futuro devido à crise econômica, violência cotidiana, racismo, sexismo—para citar apenas alguns dentre inúmeros fatores. Esse mesmo jovem enfrenta também barreiras para expressar e vivenciar suas diferentes sexualidades e identidades de gênero e muitas vezes, têm pouco acesso à educação sexual.
Para contribuir com a reversão desse quadro, fizemos um processo de escuta ativa. Uma oficina foi organizada pelo DIAHV em 2014, envolvendo pesquisadores, representantes da sociedade civil, agências das Nações Unidas e gerências dos programas estaduais de AIDS. Ao mesmo tempo, o UNAIDS—com apoio da Delegação da União Europeia—iniciou uma série de diálogos virtuais com jovens para captar suas necessidades. A conclusão foi a mesma: “ Queremos ser melhores líderes. Ter mais voz, ter mais força, trocar experiências.”
Para alcançar esse ambicioso objetivo, convidamos outras agências da ONU que trabalham próximas aos jovens para participar desse esforço. Assim, em parceria com Fundo de População das Nações Unidas (UNFPA), Organização das Nações Unidas para a Educação, a Ciência e a Cultura (UNESCO) e Fundo das Nações Unidas para a Infância (UNICEF), surgiu o Curso de Formação de Novas Lideranças das Populações-Chave Visando o Controle Social do Sistema Único de Saúde no âmbito do HIV/AIDS.
Com intuito de incluir os vários movimentos sociais na resposta à epidemia, um edital foi elaborado convocando jovens vivendo com HIV e também jovens de populações mais vulneráveis à epidemia de todas as partes do Brasil: incluindo movimentos de negros, indígenas, pessoas LGBTI+ e trabalhadores do sexo. A resposta superou as expectativas—mais de mil jovens se inscreveram para os treinamentos.
Além da capacitação, a estratégia foi pensada para acompanhar esses jovens por um determinado tempo—envolvendo-os em diferentes ações e também através da Força-Tarefa Jovem Zero Discriminação, um espaço online de discussão e articulação de jovens na resposta ao HIV. As três edições nacionais treinaram 140 jovens. Esses cursos foram replicados por iniciativa local em diversos Estados do país, aumentando ainda mais o número de jovens incluídos. A Força-Tarefa Jovem também abriu espaço para a inclusão de jovens que não participaram dos cursos, mas que queriam participar virtualmente.
A iniciativa vai na direção da visão defendida pelo Secretário-Geral da ONU, António Guterres. Durante o Fórum da Juventude em Nova York, em janeiro de 2017, ele destacou a importância de envolver os jovens nos desafios globais:
“Vocês inspiram a mudança, vocês têm talento, energia e ideais para evitar conflitos, defender os direitos humanos, garantir a paz e a realização da Agenda 2030 para o Desenvolvimento Sustentável”, disse António Guterres.
A iniciativa foi ousada e um verdadeiro desafio. No entanto, pudemos observar de perto seus resultados um número crescente de jovens envolvidos em iniciativas locais, nacionais e até mesmo internacionais. Diversas campanhas com participação dessas novas vozes. Um número significativo de jovens que criaram diversos canais nas redes sociais para falar de sua vivência e convivência com o HIV de forma aberta. Também houve uma clara mudança na narrativa do país, na percepção da necessidade de envolvimento do jovem.
O fortalecimento do diálogo e a articulação entre pessoas de diferentes contextos e regiões do Brasil foi um dos principais resultados da iniciativa. Essa diversidade e troca de informações ajudaram a aumentar a capilaridade das ações de resposta ao HIV no Brasil.
Em resumo, tais foram nossas percepções sobre essa experiência. No entanto, era necessário que o próprio jovem avaliasse a iniciativa. Por isso, convidamos o Coletivo Mangueiras a fazer esta avaliação e redigir esse relatório. Para dar continuidade na mesma linha de ação: pelo jovem e para o jovem. O resultado está aqui nessas páginas e guiará as novas etapas desse trabalho extremamente necessário e gratificante. Boa leitura!
(Prefácio assinado por Georgiana Braga-Orillard, Diretora do UNAIDS no Brasil, e Adele Benzaken, Diretora do Departamento de Vigilância, Prevenção e Controle das IST, do HIV/AIDS e das Hepatites Virais do Ministério da Saúde)