O Grupo Temático Ampliado das Nações Unidas sobre HIV/AIDS (GT/UNAIDS) reuniu-se na segunda-feira (3) para discutir o atual panorama da epidemia de AIDS no Brasil e articular a oposição ao Projeto de Lei 198/2015, que torna crime hediondo a transmissão deliberada do vírus. Este foi o primeiro encontro do grupo presidido pelo Fundo de População das Nações Unidas (UNFPA).
Para o representante do UNFPA no Brasil, Jaime Nadal, o projeto de lei vai contra os ideais e propostas das Nações Unidas referentes à epidemia de HIV/AIDS. A criminalização da transmissão do HIV, além de reforçar a estigmatização das pessoas que vivem com o vírus, pode desencorajar as pessoas a realizarem a testagem e o tratamento, uma vez que estariam sob a ameaça de se tornarem criminosas, afirmou.
O projeto de lei desconsidera os avanços científicos em HIV/AIDS, que comprovam que tratamentos antirretrovirais reduzem em até 96% as chances de transmissão do vírus em relações sexuais. “Muitos países, em todo o mundo, estão reformando suas leis que criminalizam a transmissão do HIV”, lembrou Nadal, completando que o projeto vai na contramão da tendência mundial.
A diretora do UNAIDS no Brasil, Georgiana Braga-Orillard, reforçou a fala do representante do UNFPA. Segundo ela, o projeto de lei vulnerabiliza ainda mais as populações com estado sorológico positivo, já que “considera as mais de 800 mil pessoas vivendo com HIV no Brasil como criminosos em potencial”.
Segundo ela, a meta do Sistema ONU no Brasil é que todas as pessoas realizem o teste para o vírus e, se necessário, façam o tratamento — o oposto do que aconteceria se o projeto de lei for aprovado.
Em nota técnica, o UNAIDS salientou seis argumentos contrários ao projeto de lei: ele penaliza os mais vulneráveis; promove medo e discriminação; favorece a aplicação seletiva da lei; desconsidera as evidências científicas sobre HIV; põe em risco a privacidade e a confidencialidade; e faz com que o Brasil perca o protagonismo na resposta ao HIV/AIDS.
A legislação brasileira
A Lei 12.984 define como crime a discriminação contra pessoas que vivem com HIV/AIDS no Brasil. São passíveis de punição instituições e pessoas que negarem educação, saúde ou emprego às pessoas soropositivas, bem como as que promoverem sua segregação ou divulgarem seu estado sorológico com o intuito de ofendê-las.
Para a diretora do departamento de Vigilância, Prevenção e Controle das ISTs, HIV/Aids e Hepatites Virais, Adele Benzaken, é importante discutir não somente sobre discriminação, mas sobre a mortalidade causada pelo diagnóstico tardio, irregularidades e abandono do tratamento.
Caio Oliveira, do Fundo das Nações Unidas para a Infância (UNICEF), destacou que o artigo 130 do Código Penal brasileiro já tipifica como crime a exposição de pessoas a moléstias graves. Dessa maneira, não seria necessário que o projeto de lei tornasse a transmissão do vírus um crime hediondo. “Precisamos assegurar que as pessoas que precisam não tenham mais problemas”, finalizou.
Estado e sociedade civil
Além de representantes do Sistema ONU, participaram do encontro lideranças de movimentos sociais, organizações não governamentais e representantes do poder público.
“Outro grande problema (…) é a confidencialidade dos registros médicos. Como é que fica? Porque você só vai poder ter essa informação se de alguma maneira esses registros médicos vierem a público, vierem para o sistema de Justiça”, alertou a procuradora federal dos Direitos do Cidadão, Deborah Duprat. A procuradora ressaltou também que esse ponto pode atingir principalmente grupos socialmente estigmatizados, que escondem a infecção de suas famílias e da sociedade para evitar discriminação.
Pétala Brandão, da Conectas Direitos Humanos, afirmou que o projeto de lei é resultado dos retrocessos dos direitos humanos no Brasil. “Ele é uma manifestação de uma ideologia punitivista, de recrudescimento penal, que cria estigma e vulnerabilização”, declarou.
Ela ressaltou que a participação das Nações Unidas é fundamental para a garantia dos direitos de todas as pessoas, mas que deve haver, imprescindivelmente, articulação com a sociedade civil e movimentos sociais.
Para a deputada Erika Kokay (PT-DF) endossou o argumento da especialista da Conectas. “Esta cultura do medo se transforma em ódio e cria intolerâncias. O projeto invisibiliza as diversidades sociais”, disse a deputada.
UNFPA preside grupo de trabalho
Com forte atuação pela agenda de direitos sexuais e reprodutivos, o UNFPA é uma das 11 agências das Nações Unidas a fazer parte do grupo de trabalho sobre HIV/AIDS. A agência assumiu, este ano, a presidência do grupo para o biênio 2017-2018.
O UNFPA atua para a promoção do serviço de saúde de qualidade universal, incluindo a prevenção e tratamento das infecções do aparelho reprodutor e das infecções de transmissão sexual, incluindo o HIV/AIDS.
Criado em 1997 por meio de uma abordagem multissetorial, o grupo de trabalho busca apoiar a resposta à epidemia de HIV/AIDS no país. Essa mobilização coloca o HIV entre os temas prioritários de atuação conjunta do Sistema ONU há vários anos.
Fotos: Jorge Salhani/UNFPA Brasil
Fonte: Nações Unidas