O UNAIDS Brasil lançou nesta sexta-feira (29/9), durante o 11º Congresso de HIV/AIDS, em Curitiba, a tradução adaptada de seu Guia de Terminologia, um documento com recomendações sobre o uso de palavras que sejam cientificamente precisas e promovam os direitos humanos universais e a dignidade do indivíduo. Um dos objetivos do guia é também o de facilitarem a compreensão dos principais temas relacionados ao HIV e à AIDS, bem como ao estigma e à discriminação.
O Guia de Terminologia foi lançado oficialmente durante o painel de debates Palavras não são neutras: intervenções para reduzir o estigma da AIDS no Brasil—o encontro foi transmitido ao vivo pela página do Facebook do UNAIDS Brasil. A Diretora do UNAIDS Brasil, Georgiana Braga-Orillard, abriu o debate com uma apresentação do Guia e seus objetivos. Também participaram do painel os criadores de conteúdo no Youtube Gabriel Estrela (do canal Projeto Boa Sorte) e Marcos Borges (do canal Doutor Maravilha), além do jornalista e editor da Revista Galileu, Nathan Fernandes, autor da reportagem de capa da edição de agosto, sobre o peso do estigma e da discriminação para quem vive com HIV nos dias de hoje.
O objetivo da mesa foi discutir os avanços e desafios no uso linguagem relacionada ao HIV nos mais diversos campos como social, jornalístico, mídias tradicionais e digitais, medicina, ativismo e tantos outros. O debate buscou provocar uma reflexão sobre o momento em que vivemos, em que a consolidação do ‘politicamente correto’ em diferentes esferas se depara com o extremismo, a polaridade dos pensamentos e opiniões e um perceptível aumento da intolerância.
“A linguagem não é neutra. E no contexto do HIV, essa afirmação nunca foi tão verdadeira”, explica Georgiana Braga-Orillard, Diretora do UNAIDS no Brasil. “As palavras que escolhemos e a forma como comunicamos nossos pensamentos e opiniões têm um efeito profundo na compreensão das mensagens. A escolha cuidadosa da linguagem, portanto, desempenha um papel importante na sustentação e no fortalecimento da resposta ao HIV, para que ela seja construída sobre uma base livre de estigma e de discriminação.”
Expressões como “pessoa vivendo com HIV” estão gradualmente substituindo outros termos, como “vítima de AIDS”, ou termos correlatos. “Termos como ‘vítima da AIDS’ implicam que o indivíduo é impotente, sem controle sobre sua vida”, disse Alistair Craik, que coordena o Guia de Terminologia do UNAIDS original, elaborado em inglês. “Por isso, é preferível usar ‘pessoas vivendo com HIV’”, acrescentou.
Neste caso, como explica o Guia de Terminologia do UNAIDS, e expressão “pessoa vivendo com HIV” tem o objetivo de evidenciar o protagonismo que a pessoa HIV-positivo tem diante de sua vida, em busca de saúde, dignidade e plenitude no exercício de seus direitos. O termo atual relega, portanto, ao HIV apenas um papel de coadjuvante nesse processo. Da mesma forma, expressões de conotação bélica, como “luta contra a AIDS” e “combate à AIDS” perdem espaço para termos mais inclusivos, mais abrangentes e menos bélicos, como “resposta à AIDS”.
Há muito tempo, o HIV deixou de ser visto apenas como uma questão médica: o risco de infecção pelo HIV e o impacto do vírus permeiam questões sociais, incluindo discriminação contra a população LGBT e outras populações muitas vezes marginalizadas e, assim, mais expostas ao risco de infecção pelo vírus.
“É lamentável que as pessoas vivendo com o HIV também sejam muitas vezes sujeitas ao estigma e à violência relacionadas a sua sorologia”, explica Georgiana. “Ao longo da última década, a necessidade crítica de fortalecer os direitos humanos como parte de uma resposta efetiva à AIDS tornou-se cada vez mais clara.”
As diretrizes de terminologia do UNAIDS têm como objetivo promover o uso de palavras que respeitem e empoderem os indivíduos. Elas também fornecem conselhos aos escritores e jornalistas para evitar erros comuns. Por exemplo, “vírus da AIDS” não deve ser escrito porque é cientificamente errado. “Não há ‘vírus da AIDS’”, explica o Guia. “AIDS, a síndrome de imunodeficiência adquirida, é uma síndrome de infecções oportunistas e doenças que, em última instância, é causada pelo HIV”.
O documento também ressalta também um erro comum no uso da expressão “pessoas infectadas com a AIDS”, uma vez que a AIDS não é o fator infectante, e sim o vírus, conhecido como HIV. Além disso, o Guia explica que, como a palavra ‘HIV’ (do inglês ‘human immunodeficiency virus’) significa em português ‘vírus da imunodeficiência humana’, é incorreto escrever o ‘vírus HIV’ ou ‘vírus do HIV’ por se tratar de uma redundância.
Os exemplos acima mostram um pouco do que os leitores irão encontrar no Guia de Terminologia do UNAIDS. Este breve conjunto de recomendações visa promover uma linguagem sensível ao gênero, não discriminatória, culturalmente apropriada e que promova os direitos humanos universais. O UNAIDS enfatiza que suas recomendações terminológicas devem ser consideradas um trabalho contínuo, à medida que novas questões e dinâmicas emergem frequentemente.
Você pode acessar o Guia de Terminologia aqui. Estas diretrizes podem ser amplamente copiadas e reproduzidas, contanto que esse uso não seja para fins lucrativos e que a fonte seja sempre citada. Comentários e sugestões de acréscimos, supressões ou modificações podem ser encaminhadas para [email protected].
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