Em 26 de setembro, o portal Global Health Now publicou uma entrevista com o diretor executivo do UNAIDS, Michel Sidibé, realizada na Escola de Saúde Pública Johns Hopkins Bloomberg. Na primeira parte da sessão de perguntas, Sidibé compartilhou sua perspectiva sobre os desafios e o alcance das metas 90-90-90, a intolerância generalizada com pessoas vivendo com o HIV e seu segredo para trabalhar com líderes nacionais.
O Diretor Executivo começou dizendo que, ainda que mereçam destaque as grandes realizações na resposta ao HIV/AIDS na comunidade global, é importante ressaltar que ainda há muito o que fazer: 17 milhões de pessoas em todo o mundo ainda precisam de tratamento, especialmente as populações mais vulneráveis que não têm acesso à prevenção e ao tratamento necessário.
Você poderia nos dar uma atualização sobre as metas 90-90-90?
É a primeira vez na luta contra esta epidemia que podemos começar a pensar em quebrar sua coluna vertebral, porque nunca antes poderia ser dito que a mortalidade foi reduzida em 50%. Nunca antes foi possível destacar a redução da infecção em alguns países importantes, por causa de suas taxas de HIV historicamente elevadas, como na África do Sul, Zimbábue, Zâmbia.
Também pela primeira vez, tem-se mais pessoas em tratamento do que esperando por ele. Portanto, creio que estamos vendo uma história de sucesso mas metas 90-90-90. Já vemos que quase 78% das pessoas estão sendo avaliadas. Globalmente, o número de pessoas em tratamento é superior a 58%, perto de 60%. Portanto, estamos muito felizes com o que estamos vendo com as metas 90-90-90.
Mas 2020 se aproxima muito rápido.
Sim. Pela primeira vez na história conseguimos colocar mais de 1,5 milhão de pessoas em tratamento por ano. Portanto, se continuarmos a manter o mesmo ritmo, alcançaremos nossas metas 90-90-90 até 2020.
Destacaram-se muitos sucessos recentes na luta contra o HIV. É preocupante que esses sucessos também gerem complacência? E que as pessoas possam perder o foco na urgência de combater a AIDS?
Eu acho que o maior desafio que temos hoje é complacência. Estamos percebendo com preocupação que somos vítimas de nossas histórias de sucesso. Os jovens não se protegem mais e o perigo é que as pessoas sintam que acabou. A questão é que o foco deve manter-se apesar do progresso, pois é a única maneira de acabar com a epidemia de AIDS até 2030. Ainda temos 17 milhões de pessoas sem acesso ao tratamento. Ainda temos todas as populações-chave: pessoas que injetam drogas, profissionais do sexo, homens que fazem sexo com homens, meninas jovens mais vulneráveis, população imigrante e prisioneiros, todos os grupos ainda afetados por esta epidemia de forma muito séria. Devemos continuar sendo capazes de alcançá-los. Para tanto, precisamos alterar nossas políticas e fazer mudanças em nosso enfoque em entrega de serviços, precisamos garantir que as leis não sejam repressivas.
Este é um grande desafio. Quero dizer, você está falando não só sobre mudar as leis, mas sobre mudar a cultura e as atitudes.
Sim.
Como fazê-lo?
Acredito que um dos principais desafios sobre HIV/AIDS é que estamos falando de sexo. Quando você fala sobre sexo, fala sobre estereótipos culturais, fala sobre o indivíduo e sobre abordagens mais emocionais ou religiosas. Não podemos permitir não fomentar um vínculo entre evidências científicas e mudanças sociais. E para fazer isso, a sociedade civil desempenha um papel fundamental; líderes comunitários, mulheres líderes, jovens, igreja, líderes políticos, todos são parte essencial. Hoje não temos uma epidemia de HIV, temos epidemias múltiplas. Portanto, eu pessoalmente acredito que cada epidemia precisa de uma abordagem específica. E temos que internalizar isso para realmente entender e desenvolver estratégias, o que nos ajudará a abordá-las de forma holística.
Você vê uma intolerância crescente com as pessoas marginalizadas de que você falou?
Eu acredito que estou vendo uma tendência conservadora séria, pessoas que não entendem por que estamos gastando muito dinheiro, energia e tempo para chegar a pessoas que estão injetando drogas, por exemplo. No entanto, fazê-los compreender é o nosso trabalho e temos testemunhado uma transformação gradual. Estamos vendo que, no caso da China, onde havia tolerância zero para usuários de drogas há alguns anos atrás, hoje em dia eles possuem os maiores programas de redução de danos. Penso que é importante trazer evidências científicas para a discussão com os políticos. Fazer com que eles entendam o que estamos danificando com a perda da população que é completamente dizimada porque precisa se esconder, e que medidas apropriadas devem ser tomadas para abordar esta população, ou isto continuará prejudicando o crescimento sustentável.
Você é bem conhecido por sua persuasão, especialmente trabalhando com líderes nacionais, sobre os quais você não tem real poder, mas é muito persuasivo. Qual é o seu segredo?
Eu sempre tento garantir que as pessoas tenham certeza de que sou genuíno e que o que estou tentando promover não é um privilégio para ele ou pra mim, mas sim para as pessoas que estão aí fora aguardando seu apoio. Penso que, quando você fala sobre dignidade, respeitando a dignidade das pessoas, quando você fala sobre a construção de uma sociedade, que será realmente mais tolerante, acredito que os líderes tendem a responder a tais questões porque são questões sensíveis, ninguém quer que a dignidade de seu filho, mãe ou esposa seja desrespeitada.
Portanto, sempre tento estar baseado em evidências, provar que é rentável, colocar sonho no que fazemos também. Sem sonhos, não é possível. Os líderes são tomados como reféns por questões difíceis todos os dias. Se você consegue fazê-los acreditar que… seu legado será bebês nascidos sem HIV… Creio que estão à procura de esperança.
Quando você procura persuadir as pessoas, o que é mais efetivo? Dados ou histórias?
Eu acho que as histórias humanas são, para mim, mais eficazes do que dados. Os dados são fornecidos como um segundo elemento. Eles sempre convencem as pessoas porque os conectam a uma história real. A história é a ferramenta mais importante para a comunicação.