“A pessoa é muito mais que o HIV. Então toda vez que há preconceito, você dificulta o acesso ao tratamento e à testagem”, disse o psiquiatra Jairo Bouer durante o debate sobre discriminação e HIV que aconteceu o programa Encontro com Fátima Bernardes desta segunda-feira (6/3). Além de dedicar uma parte do programa ao tema, a apresentadora Fátima Bernardes anunciou o lançamento da campanha #EseFosseComVocê? do UNAIDS, em parceria com a Globo.
Estrelada pelos Embaixadores de Boa Vontade do UNAIDS, Mateus Solano e Wanessa Camargo, a campanha busca provocar uma reflexão nos telespectadores e internautas sobre como cada pessoa reagiria se fosse confrontada com uma situação de discriminação. A campanha #EseFosseComVocê? foi produzida pela Ogilvy Brasil e faz parte da plataforma de defesa dos direitos humanos Tudo Começa pelo Respeito, lançada pela Direção de Responsabilidade de Globo em setembro de 2016. Quatro diferentes filmes mostram situações de discriminação ocorridas em um cinema de uma capital brasileira – situações que buscam simbolizar todos os outros tipos de discriminação sofrida por diferentes grupos e em diferentes contextos da vida cotidiana do brasileiro, em pleno século XXI.
Logo na abertura do programa, Fátima falou da importância da celebração do Dia Mundial de Zero Discriminação – em 1º de março – e usou as borboletas que são símbolo da iniciativa do UNAIDS para decorar o estúdio ao longo do debate, colocando também a hashtag #ZeroDiscriminação em evidência para os telespectadores.
Em seguida, Fátima contou a história do jovem Geovanni Henrique, que teve um post viralizado no Facebook no final de janeiro, depois de dizer abertamente HIV positivo. “As pessoas ficam se escondendo, têm vergonha. Pra mim, foi fácil por causa da aceitação da família. No meu primeiro trabalho, eles me aceitaram, mas pediram para eu não comentar, para não ficar aqueles comentários”, contou o jovem que descobriu há três anos que vive com HIV. “Tem muito preconceito, mas quem quer dar a cara a tapa pra isso?”, questionou Henrique.
Outra convidada do programa foi a ativista em HIV e AIDS Silvia Almeida. “Eu tinha um casamento de 14 anos. Meu marido foi diagnosticado com HIV. Na verdade, ele já tinha AIDS”, contou Silvia. “Quando veio meu resultado, minha médica disse que tinha um notícia boa e uma ruim, a ruim era que eu estava infectada e a boa era que meu filho de 1 ano e meio não estava infectado. Eu considero essa como minha primeira vitória contra o HIV.”
Estudos ao redor do mundo comprovam que o estigma e a discriminação relacionados ao HIV e à AIDS estão entre os maiores obstáculos para que as pessoas procurem a testagem e tenham adesão ao tratamento antirretroviral. Populações-chave para a resposta à epidemia – que, no caso do Brasil, são gays e outros homens que fazem sexo com homens, travestis e mulheres trans, profissionais do sexo e pessoas que usam drogas – tornam-se ainda mais vulneráveis do que já são à epidemia por se sentirem desencorajadas de buscar serviços de saúde e de falar abertamente sobre a sorologia positiva para o HIV.
“E claro que bateu uma tristeza, a vida vira de cabeça pra baixo. Durante o processo de adoecimento dele, durante dois anos, preferi ficar ao lado do meu marido, que sempre foi um ótimo pai e um ótimo companheiro. Eu acho que troquei a mágoa pela dor da perda. Não quis sentir raiva do meu marido”, contou Silvia, que é mãe de dois filhos.
E continuou: “hoje eu consigo brincar com isso, mas foi difícil. Eu perdi muito cabelo, eu fiquei com 37 quilos, viúva, sem uma herança, com HIV, careca, baixinha, com dois filhos pequenos. A psicóloga me ajudou muito, ela não me deixava falar do HIV, ela queria que eu falasse sobre quem eu era, sobre meus sonhos… Eu me reergui. Primeiro, eu me relacionei com uma pessoa também portadora do vírus HIV. Depois disso, me relacionei com uma pessoa do trabalho que não tinha nada a ver com HIV. Antes de sair com ele, eu mandei um email de uma matéria que eu tinha saído sobre viver e trabalhar com HIV. Eu disse pra ele: ‘olha, vou te mandar um email, se você quiser sair depois de ler o email, estou aqui.’ Meu coração ficou batendo. Meia hora depois ele me ligou e disse eu só quero saber uma coisa, que horas você sai?”.
A cantora Vitória Falcão, da dupla Anavitória, também participou do programa como convidada musical e contribuiu para o debate. “Não se tem informação, há um tabu com relação ao HIV”, disse a jovem. “Tem um youtuber curitibano [Gabriel Comicholi] fazendo vários vídeos sobre todos os passos de seu diagnóstico”, lembrou a cantora. “Quanto mais se fala, quanto mais se discute, menos preconceito.”
Além de Gabriel Comicholi, citado pela cantora, outras pessoas vivendo com HIV têm servido de inspiração para jovens como Geovanni Henrique nas redes sociais. Só no Youtube, existem pelo menos 10 canais liderados por jovens vivendo com HIV e que têm mobilizado parceiros e outros jovens para dar destaque ao tema. Entre eles, o canal do ator Gabriel Estrela – que foi um dos precursores dessa onda com o Projeto Boa Sorte e co-autor, em parceria com o UNAIDS, na websérie Eu Só Quero Amar, spin-off da série de TV Malhação: Seu Lugar no Mundo. Também fazem parte do grupo, o jovem ativista Daniel Fernandes – do Prosa Positiva, Bia Nickytinha – do Sou soropositiva e daí, Filipe Santos – do Vida Positiva, Gilma Aranha, Luiz Felipe – do Loka de Efavirenz, Rafael Bolacha – do Chá dos 5, o canal Fachki e o Positivo Mateus.
Para repercutir o debate que aconteceu no palco, Fátima consultou a plateia sobre o peso do preconceito e da discriminação para pessoas vivendo com HIV, e colheu um depoimento contundente de um jovem que convive com o HIV, pois tem um amigo HIV positivo. “A gente sempre pensa que não tem preconceito até que temos que enfrentar isso de cara. O que aconteceu com meu amigo foi muito recente. E depois que eu notei que o convívio com ele não mudou em nada, foi aí que eu pensei que temos que discutir sobre isso. O vírus não pode ser demonizado”, disse o convidado, identificado como Gabriel.
Durante o debate, os convidados falaram também – de maneira informativa, emocionada e, muitas vezes, descontraída, sobre conceitos importantes para os telespectadores – com a diferença entre o HIV (o vírus) e a AIDS (a síndrome) – e discutiram questões como relacionamentos, a importância da conscientização sobre o uso do preservativo e a prevenção como um todo, até questões mais específicas da resposta à epidemia de HIV, como a evolução biomédica – teste rápido, profilaxia pré-exposição (PrEP) – e as metas mundiais de tratamento 90-90-90 para chegarmos ao fim da epidemia de AIDS até 2030.
O psiquiatra Jairo Bouer destacou que a maioria das pessoas que se infectam com HIV hoje em dia são pessoas jovens. “O UNAIDS considera hoje que se 90% das pessoas souberem que têm o resultado do HIV positivo e se 90% dessas pessoas tomarem o remédio e 90% dessas que tomam remédio tornassem indetectável a sua carga viral, com carga viral zero, em até 15, 20 anos a gente não teria mais transmissão sexual do HIV. Então, é importante que as pessoas saibam o seu status, tomem remédio, se cuidem e aí a gente vai praticamente reduzir a zero essa transmissão”, disse o especialista, ao se referir às metas de tratamento 90-90-90 que precisam ser alcançadas até 2020 se quisermos chegar ao fim dos níveis epidêmicos da AIDS até 2030.
“A gente viu todo mundo indo embora, Cazuza, Renato Russo, Lauro Corona, na nossa época. Mas eu acho que talvez hoje em dia, (…) como justamente não é mais uma sentença de morte, as pessoas não se preocupam mais em usar camisinha. É como se a AIDS não fosse mais. É claro que é”, disse a atriz Maria Ribeiro. “Óbvio que tá tudo bem! Você vai viver com isso, como eu vivo com meu ansiolítico. Mas também é uma coisa que é uma doença que a gente tem que se prevenir. Eu acho que a gente é muito dessituado com camisinha.”
Assista ao programa Encontro com Fátima de 6/3 e acompanhe o debate.
Conheça a campanha #EseFosseComVocê.
Junte aos nossos Embaixadores de Boa Vontade, Mateus Solano e Wanessa Camargo: participe do debate! Faça parte dessa mudança!