Caribe: Ativistas desenvolveram estratégias para derrotar leis que criminalizavam a população LGBTQIA+

Por quase 150 anos, ser LGBTQIA+ em São Cristóvão e Neves, um território localizado no Mar do Caribe, na América Central, era considerado um crime. O que as autoridades coloniais que dominaram o país rotularam de “o abominável crime de sodomia” foi incorporado ao sistema jurídico, resultando na punição, estigmatização, discriminação e exclusão das pessoas LGBTQIA+.

Mas nesta semana, o Supremo Tribunal do país caribenho decidiu que as definições jurídicas que criminalizam atos sexuais privados entre pessoas do mesmo sexo são inconstitucionais. Como resultado, a criminalização se tornou, imediatamente, nula e sem efeito.

A advogada Nadia Chiesa observou que o caso de São Cristóvão e Neves afeta vários direitos constitucionais violados pelas disposições penais: os direitos à privacidade e as liberdades pessoal, de discriminação e de expressão.

“As evidências não tratavam apenas dos argumentos jurídicos, mas na quantidade de maneiras pelas quais a existência contínua dessas leis afetava as pessoas LGBTQIA+ em todos os aspectos de suas vidas”, explicou Chiesa.

As evidências apresentadas pelas pessoas que pediam uma mudança na legislação falavam de questões que comumente afetam membros da comunidade LGBTQIA+ de São Cristóvão e Neves. No topo da lista estava “uma tendência de evitar serviços de saúde sexual, inclusive o teste de HIV, por medo de ser estigmatizados por prestadores de serviços de saúde ou pela sociedade em geral”.

“Tínhamos uma situação em que, embora os programas de HIV devam ser focalizados em populações-chave, incluindo homens que fazem sexo com homens (HSH), havia uma política de certos governos de não seguir essas abordagens, ou de autoridades estatais responsáveis pela prestação de serviços a essas comunidades efetivamente não agirem. Este ponto, embora aparentemente pequeno, foi muito importante no caso para reforçar os argumentos jurídicos em torno da discriminação”, explicou a advogada Veronica Cenac.

Agora, com a mudança da lei, vem a oportunidade de melhorar toda uma gama de serviços. A mudança por meio jurídico salvará e mudará vidas.

Enquanto ativistas comemoram, também estão destacando a importância de refletir e aprender sobre como o sucesso foi alcançado, para ajudar nos esforços de outras pessoas e para fornecer informações sobre os próximos passos necessários na jornada para acabar com o estigma e a discriminação.

Reunião ECADE. Março de 2020. Organizado pelo ECADE. Kenita Placide está à direita e Tynette McKoy está ao lado de Kenita. 

A estratégia que finalmente derrubaria a legislação que vinha do século XIX começou a ser desenvolvida há sete anos. Por meio desta iniciativa, houve também um desafio bem-sucedido da lei que criminalizava a sodomia em Antígua e Barbuda, no mês passado. Casos similares foram lançados em outros países da região do Caribe, como Barbados, Granada e Santa Lúcia.

A abordagem foi inspirada pelos recentes exemplos caribenhos de revisão judicial para derrubar leis que criminalizavam pessoas LGBTQIA+ em Belize, Guiana e Trindade e Tobago. Liderado pela Aliança do Caribe Oriental para a Diversidade e Igualdade (ECADE), um consórcio de profissionais de advocacia, grupos da sociedade civil e organizações de direitos humanos refinou um plano distinto focado nas leis discriminatórias no Caribe Oriental.

A iniciativa ECADE é baseada em três características principais. São elas:

  • Em vez de se concentrar na criação de pautas de alto perfil para a imprensa, os esforços de comunicação foram concentrados na conscientização e no aproveitamento da sabedoria dentro das comunidades. A equipe trabalhou para identificar pontos fortes e aliados, enquanto planejava lidar com possíveis armadilhas.
  • A estratégia foi fundamentalmente baseada no fortalecimento institucional.]”Não se tratava apenas de lançar casos”, disse o diretor executivo do ECADE, Kenita Placide. “Tratava-se de construir um sentido de comunidade”.

Uma das ONGs demandantes era a St. Kitts and Nevis Alliance for Equality (SKNAFE) – Aliança por Igualdade São Cristóvão e Neves, em tradução livre para o português. A presidente da SKNAFE, Tynetta McKoy, indicou que a organização está pronta para apoiar a próxima etapa do trabalho: o aumento do envolvimento público.

Reunião de planejamento estratégico do ECADE, realizado em 27 de julho, organizada pelo ECADE. Veronica Cenac está à esquerda.

“A maioria das pessoas da comunidade sabe que este é um primeiro passo e que ainda há muito trabalho a ser feito em torno da educação e da conscientização pública. Vindo do nível da comunidade, este é um passo importante. Estamos prontos para seguir em frente”, disse ela.

  • Garantir a segurança dos litigantes e da comunidade em geral. A ECADE observou a importância de pensar nos demandantes para além do caso em si e a necessidade de garantir que pudessem navegar com segurança em suas vidas regulares, particularmente quando seus nomes e rostos estavam circulando na mídia.

O ECADE destacou seu apreço pelas organizações Human Dignity Trust, Kaleidoscope Trust, Canadian HIV/AIDS Legal Network, University of the West Indies Rights Advocacy Project (URAP) e Caribbean Vulnerable Communities (CVC) Coalition, entre outras organizações, pelas diferentes contribuições que ofereceram. Estas incluem o apoio à pesquisa fundacional e a oferta de orientação estratégica.

Veronica Cenac observou que uma fase subsequente da estratégia seria focada em incentivar os governos a promulgar legislações de proteção. Isso garantiria que a comunidade LGBTQIA+ e outros grupos vulneráveis fossem cobertos pelas salvaguardas jurídicas colocadas em prática para outros cidadãos.

O Procurador-Geral E. Anthony Ross Q.C., pediu que os governos do Caribe atuem proativamente para garantir que suas legislações defendamos direitos constitucionalmente garantidos das pessoas.

Conferência com a imprensa ECADE

“Nada de novo foi criado aqui [neste julgamento jurídico]. A constituição confere especificamente esses direitos. A Procuradoria Geral tem de agir. É hora de examinar todas as leis e rever as legislações discriminatórias”, finaliza Anthony Ross.

O texto original, em inglês, pode ser conferido aqui.

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