Trabalhadoras sexuais na linha de frente da prevenção

Com duas caixas de roupas, Maria Aparecida Rodrigues, conhecida como Cida, foi deixada em um ponto de táxi no centro de Taguatinga, no Distrito Federal. Ela tinha 21 anos e não era a primeira vez que se via sozinha, sem saber pra onde ir ou como buscar qualquer tipo de informação.

A infância e adolescência foram turbulentas: sofreu violência quando vivia com os avós em Juazeiro, na Bahia. Morou com a mãe, que a abandonou. Sofreu abuso do pai e do irmão mais velho quando morou com eles em Minas Gerais. Por uma decisão judicial, chegou a Brasília grávida de sua primeira filha para morar em um orfanato com mais de 350 crianças e adolescentes. Durante os seis anos em que viveu ali, teve um segundo filho e, aos 21, foi expulsa de lá em função de conflitos e ameaças que passou a sofrer de outra residente.

Foi quando se viu só, sem referência ou apoio, que Cida, para sobreviver, se tornou trabalhadora sexual. Seus filhos continuaram morando no orfanato e ela diz, com orgulho, que essa fonte de renda garantiu que concluíssem os estudos. “Graças ao trabalho sexual, consegui criar meus dois filhos. A prostituição que me fez dar arroz, feijão, brinquedos, passeios e viagens a eles”, conta ela.

Em novembro de 2020, após mais um episódio de agressão de um parceiro, Cida resolveu aceitar o convite de Juma Santos, coordenadora da ONG Tulipas do Cerrado, para um encontro que aconteceria na cidade. Naquele dia, a ONG entregou cestas básicas e compartilhou com as trabalhadoras sexuais informação sobre prevenção combinada ao HIV e direitos.

A gente não tem de aceitar a violência, mesmo sendo garota de programa. Eu me sinto uma mulher empoderada depois que eu conheci as Tulipas

Cida, trabalhadora sexual e multiplicadora de saúde da ONG Tulipas do Cerrado

Hoje, ela é uma das multiplicadoras de saúde da ONG Tulipas do Cerrado e trabalha com informação, prevenção, redução de danos e oficinas de camisinha interna às trabalhadoras do sexo no Distrito Federal e entorno. A ONG apresentou um dos 61 projetos selecionados para receber fundos catalíticos da iniciativa Soy Clave: de las comunidades para las comunidades (Sou Chave: das comunidades para as comunidades, na tradução livre para o português), organizada pelo escritório regional do UNAIDS para América Latina e o Caribe. Entre 2020 e 2021, a iniciativa contou com dois editais para receber propostas de fortalecimento das organizações de base comunitária que trabalham na resposta ao HIV na América Latina no contexto da pandemia de COVID-19.

“O trabalho da ONG Tulipas do Cerrado reforça que a comunicação entre pares funciona e é capaz de mudar realidades. A prevenção ao HIV é uma ferramenta para que as trabalhadoras sexuais tenham acesso a uma vida plena, com saúde e direitos”, destaca Daniel de Castro, assessor de Comunicação e Advocacy do escritório regional do UNAIDS para América Latina e Caribe, que apoiou a organização de oficinas de capacitação em comunicação para os projetos selecionados.

Acompanhe a história de Cida em vídeo preparado pela ONG Tulipas do Cerrado 

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