Reunião de Alto Nível sobre AIDS reforça o papel fundamental da sociedade civil na resposta ao HIV/AIDS

Na Reunião de Alto Nível das Nações Unidas sobre AIDS (High Level Meeting on HIV/AIDS), que acontece de 8 a 10 de junho, os Estados-membros adotarão uma nova declaração política para colocar a resposta ao HIV novamente no caminho certo. Após o progresso desigual realizado na resposta ao HIV desde a Reunião de Alto Nível das Nações Unidas de 2016, a Reunião de Alto Nível deste ano será o ponte para uma década de ação para reduzir as desigualdades e erradicar os determinantes sociais que alimentam a epidemia do HIV.

A fim de saber mais sobre as aspirações e esperanças da sociedade civil para a Reunião de Alto Nível e a declaração política, o UNAIDS conversou com duas pessoas que representam a sociedade civil – as duas vivem com HIV. Jacqueline Rocha Côrtes (JRC) é do Movimento Nacional de Mulheres Vivendo com HIV/AIDS (MNCP/Brasil), Movimento de Mulheres Positivas da América Latina e do Caribe (MLCM+) e Instituto Nacional de Mulheres Redesignadas (INAMUR/Brasil). Andrew Spieldenner (AS) é o Diretor Executivo do Mpact.

Ambos fazem parteda força-tarefa multissetorial para a Reunião de Alto Nível e participaram da elaboração da Declaração da Sociedade Civil da Reunião de Alto Nível de 2021, na qual as organizações da sociedade civil estimulam que os Estados-membros concentrem esforços e recursos onde eles são mais necessários e adotem uma declaração política que reconheça explicitamente pessoas que estão mais expostas a situações de risco de contrair HIV e reconheça por que isso acontece, e se comprometam a financiar e apoiar plenamente respostas efetivas ao HIV e a responsabilizar os Estados-membros por suas ações.

Qual é o propósito da declaração da sociedade civil que foi divulgada antes da reunião de alto nível?

JRC: A declaração da sociedade civil tem vários propósitos. Em primeiro lugar, reunir as principais contribuições dadas pela sociedade civil globalmente sobre o conteúdo desejado da Declaração Política sobre o fim da AIDS de 2021. Em segundo lugar, a declaração da sociedade civil serve como uma ferramenta para mobilizar esforços comunitários locais e regionais e para harmonizar e estimular nossas posições a fim de construir uma posição comunitária mais forte sobre nossas demandas em todo o mundo.

AS: A declaração da sociedade civil divulgada antes da Reunião de Alto Nível é uma declaração clara dos valores, preocupações e necessidades de nossas comunidades. Quando os Estados-membros podem estar mais preocupados com a política, a sociedade civil continua a elevar e centralizar as pessoas mais afetadas pelo HIV— as mesmas populações mais frequentemente marginalizadas pelos governos através de leis e políticas punitivas. Como sociedade civil, queremos garantir que os Estados-membros entendam onde estamos, na esperança de que eles apoiem nosso trabalho e as comunidades no desenvolvimento da Declaração Política.

Quais são as principais perguntas da sociedade civil aos Estados-membros?

JRC: A principal pergunta da declaração da sociedade civil, da minha perspectiva pessoal, é que mostre e lembre aos Estados-membros o quanto somos fortes sobre a nossa capacidade de mobilizar e orientar o respostas sobre o que é necessário para acabar com a AIDS. É uma oportunidade de mostrar que nós, as comunidades, estamos vivas e atentas, ainda mais em momentos como este, onde a pandemia de COVID-19 teve um impacto tão negativo na resposta à AIDS. É também um apelo às organizações internacionais e multilaterais.

AS: Queremos que os Estados-membros reconheçam o impacto desproporcional do HIV sobre profissionais do sexo, pessoas que usam drogas, pessoas transs e homens gays e bissexuais e que centralizem as necessidades das populações-chave na resposta ao HIV. Queremos que os Estados-membros apoiem a realização das intervenções necessárias sobre o HIV, tais como educação sexual abrangente, redução de danos em todas as suas formas e prevenção e tratamento do HIV. Queremos que os Estados-membros protejam a saúde e os direitos sexuais e reprodutivos. Queremos que os Estados-Membros sejam flexíveis em relação ao Acordo TRIPS (Acordo sobre Aspectos dos Direitos de Propriedade Intelectual Relacionados ao Comércio) das tecnologias para o HIV e que financiem totalmente a resposta ao HIV.

Quais são as expectativas das comunidades e das organizações da sociedade civil para a próxima Reunião de Alto Nível e para a nova Declaração Política?

JRC: Na Declaração Política, esperamos ver um padrão mínimo de linguagem ampla e progressiva que inclua todas as pessoas, a fim de deixar claro que, quando nos referimos à resposta à AIDS, estamos nos referindo aos direitos humanos, à flexibilidade dos acordos comerciais, ao financiamento da resposta à AIDS, às respostas lideradas pela comunidade, à redução e eliminação da violência baseada no gênero. Esperamos que a declaração política inclua compromissos firmes para cumprir as muitas metas estabelecidas na Declaração Política de 2016 e em outras Declarações Políticas que ainda não foram cumpridas, bem como as prioridades mais recentes estabelecidas pela Estratégia Global de AIDS 2021-2026 do UNAIDS, acordada por muitos países, que apela para a eliminação das desigualdades para acabar com a AIDS até 2030.

Também esperamos que uma linguagem técnica convenientemente politicamente correta não sirva de véu para cobrir interesses particulares, deixando de lado questões como diversidade sexual e humana, saúde sexual e direitos reprodutivos e a redução e eliminação gradual de leis punitivas que estigmatizam ainda mais as pessoas e punem cidadãos e cidadãs, que muitas vezes vão para a prisão ou morrem simplesmente porque estas pessoas existem como são.

AS: Como sociedade civil e comunidades, esperamos que os Estados-membros apoiem a Estratégia Global de AIDS 2021-2026. Entendemos que alguns Estados-membros serão contra a linguagem que descreve populações-chave, bem como contra intervenções-chave sobre HIV, incluindo redução de danos, educação sexual abrangente e flexibilidades do Acordo TRIPS. Esperamos que os Estados-membros possam buscar compromissos para abraçar e apoiar o que é necessário para avançar na resposta ao HIV.

Alguns Estados-membros ainda estão reticentes em avançar a agenda quando se trata de populações-chave, do uso de drogas e da criminalização do trabalho sexual. Qual seria a sua mensagem para esses Estados-membros?

JRC: Minha mensagem para eles é que quer aceitem ou não, a humanidade não será linear como alguns de seus projetos políticos e econômicos e até mesmo projetos sociais que tentam ditar o curso das vidas humanas, sobre os quais as autoridades não têm governabilidade ou direitos. Da mesma forma que os Estados-membros das Nações Unidas se referem à soberania nacional sobre se devem ou não adotar certas medidas, as pessoas têm uma autonomia inalienável para decidir o que é melhor para suas vidas e como querem viver. É imperativo que os Estados-membros reconheçam a existência e os direitos das populações-chave. Como uma mulher trans redesignada vivendo com HIV por 27 anos, não posso deixar de afirmar que, se quisermos acabar com as desigualdades, teremos necessariamente que nos aproximar e abraçar a diversidade humana.

AS: Após 40 anos de HIV, o fardo desproporcional do HIV permanece sobre populações-chave, incluindo pessoas que usam drogas, profissionais do sexo, homens gays e bissexuais e pessoas trans. Não podemos acabar com a epidemia do HIV se não centralizarmos as necessidades das populações-chave, incluindo o maior envolvimento das pessoas que vivem com o HIV. Se os Estados-membros continuarem a ignorar nossas necessidades, marginalizar nossas comunidades e legislar contra nós, então a epidemia do HIV continuará sem diminuir, não importando os avanços nas tecnologias do HIV.

Uma vez adotada a Declaração Política, qual será o papel da sociedade civil para torná-la uma realidade?

JRC: Faremos o que sempre fizemos — defenderemos e influenciaremos a política. Monitoraremos e mobilizaremos, lutaremos, realizaremos trabalhos comunitários e daremos respostas comunitárias, construiremos e agiremos com solidariedade, respeitaremos a dinâmica interna dos diversos setores, incluindo os governos, mas agiremos de acordo com nossos direitos e exigiremos de nossas autoridades governamentais que façam seu trabalho e cumpram com seus compromissos e deveres. E contamos com o UNAIDS, uma de nossas parcerias mais valiosas, e com outras agências das Nações Unidas.

AS: As principais redes mundiais de população têm sido defensoras de respostas lideradas pela comunidade e mecanismos de responsabilização. Com o apoio de financiamentos multilaterais e filantrópicos, continuaremos a apoiar os esforços locais e regionais de base. Infelizmente, com a diminuição do espaço e do financiamento da sociedade civil, isto será um desafio. Precisamos de apoio multilateral e filantrópico para continuar este papel.

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