Entrevista de Javier Hourcade, criador e promotor da campanha “Quero PrEP”

Com o objetivo de sensibilizar os tomadores de decisão sobre a importância da PrEP e informar o público em geral sobre esta questão, Javier Hourcade Bellocq, um ativista pelos direitos humanos e especialista em prevenção combinada, criou uma campanha inovadora nas redes sociais, intitulado “Quero PrEP” . A campanha começou há alguns de meses e pretende continuar ativa através de um site e contas em redes sociais que são alimentados diariamente com notícias e informações. A campanha pretende também incluir atividades como debates e fóruns. Javier Hourcade Bellocq falou com o  Escritório do UNAIDS para América Latina para dar  a sua perspectiva sobre o contexto da resposta ao HIV,  a necessidade de garantir o acesso a PrEP na região e quais são as barreiras que ainda impedem ampliar o alcance desta opção de prevenção.

 

Quando falamos de PrEP, o que queremos dizer?

PrEP é a abreviatura utilizada para a profilaxia pré-exposição ao Vírus da Imunodeficiência Humana (HIV). “Pre” se refere à anterioridade da “exposição” ao HIV e “profilaxia” se refere a qualquer medida para evitar que uma infecção ocorra. A profilaxia pré-exposição (PrEP em suas sigla em inglês) é uma maneira de prevenir a infecção pelo HIV, que consiste na utilização de uma combinação de medicamentos antirretrovirais em um comprimido por pessoas HIV negativas, reduzindo o risco de contrair o HIV. Estas drogas evitam que o vírus se estabeleça como uma infecção dentro do corpo.

 

Há estudos sobre PrEP realizados na América Latina?

Há poucos exemplos. Um estudo realizado globalmente chamado iPreX envolvendo seis países, incluindo Equador, Peru e Brasil, com uma pequena quantidade de homens que fazem sexo com homens e pessoas trans, mostrou que a PrEP fornece proteção adicional importante contra o HIV quando oferecido com outros métodos de prevenção, tais como o teste de HIV, aconselhamento, o uso do preservativo e tratamento de infecções sexualmente transmissíveis. O estudo mostrou que a PrEP tinha um nível de proteção mais elevado entre aqueles que relataram tomar a droga mais regularmente. Também foram realizados estudos de aceitabilidade. Por exemplo, um estudo no Brasil mostrou que quão mais alta é a percepção do risco de contrair o HIV, maior é a probabilidade de que a pessoa busque e use a PrEP.

 

Qual é a posição de redes da sociedade civil na América Latina em relação a PrEP?

No início houve resistência nas redes de populações-chave, porque se entendia a PrEP como uma estratégia de prevenção centrada na medicalização da resposta ao HIV. No entanto, agora não somente há um posicionamento político de algumas organizações a favor da PrEP, como estão tomando medidas concretas de conscientização e advocacy, para que a PrEP seja vista como mais uma alternativa dentro de pacotes de prevenção combinada.

 

Quais são as principais barreiras que existem na América Latina para se implementar a PrEP?

As barreiras são de caráter regulatório, político e financeiro. Existe primeiramente um desafio regulatório, que significa que as autoridades de medicamentos nos países da região ainda não aprovaram a PrEP como um mecanismo de prevenção. Definitivamente se requer vontade política para que a PrEP seja incluída como parte da estratégia de prevenção combinada, mas parece que ainda não há muito desejo para promovê-la. Eu entendo que isso poderia ser feito muito facilmente, porque a OMS já a reconheceu como um medicamento para uso na prevenção do HIV, especialmente em pessoas soronegativas mais expostas.

Outro fator é a questão da sustentabilidade, por conflito de prioridades na agenda da saúde. Estamos voltando a reviver o passado, quando a OMS recomendou nas orientações para tratamento que este deveria ser oferecido quando uma pessoa tinha  uma contagem de CD4 de 500 ou mais ou quando mudou para o testar e tratar. Havia programas que afirmavam que a aplicação das orientações não seria sustentável. Mas hoje todos reconhecem o benefício de colocar as pessoas que vivem com HIV em tratamento assim que o diagnóstico positivo é recebido.

Outra barreira diz respeito ao medo de que não haja demanda suficiente para a PrEP. Uma vez que ela seja registrada,comprada e colocada à disposição, não vai ser uma demanda imediata. Quem gera a demanda são os médicos e aí está a importância do trabalho de conscientização e informação para que tomem decisões informadas, e que as organizações da sociedade civil participem deste processo.

 

Por que a disponibilidade de PrEP é importante?

A PrEP torna-se um incentivo para promover a prevenção combinada e a testagem  do HIV. Nos locais onde a PrEP é oferecida, nota-se que a partir de uma pílula, estimula-se a abordar a saúde sexual e as pessoas começam a cuidar de si mesmas. Na Inglaterra ou na Escócia, a PrEP não será oferecida se você não fizer o teste de HIV e de IST a cada três meses. O que temos hoje em países que oferecem PrEP institucionalmente são pessoas que estão se testando de forma mais frequente e estão mais informadas sobre a prevenção do HIV.

 

Qual é o objetivo da campanha Quero PrEP e a quem se dirige?

A PrEP ainda não é uma realidade em nossa região e esses temas estão presentes em uma elite que discutimos em consultas e comitês consultivos. Esta informação precisa virar conhecimento público, mobilizar as pessoas para que acessem os serviços por demanda, e não por oferta. O objetivo da Quero PrEP é mobilizar as pessoas em torno da questão da PrEP, para que se informem, construam sua campanha, saibam qual é o seu estado sorológico e se envolvam ativamente na prevenção ao HIV. Dirijo-me a uma nova massa crítica, aos jovens que não militam em ONGs tradicionais,  para se envolverem neste tema. Na página Quero PrEP não existe apenas informação sobre PrEP, mas também informações sobre o teste de HIV e sobre a prevenção combinada.

 

Quais são as estratégias que você sugere para que a PrEP seja uma realidade na região?

Na Argentina, a PrEP só pode ser acessada no setor privado e, portanto, pode ser acessível a quem pode comprá-la por conta própria. Isso significa que apenas uma elite de nível económico mais elevado pode se beneficiar e cuidar da sua saúde sexual. Por exemplo, dentro da comunidade de HSH e homens gays, é uma parcela pequena e com dinheiro que tem acesso à PrEP. Portanto, é necessário que se promova a igualdade de acesso para todos, que caminhemos em direção à PrEP subsidiada dentro do sistema público e que sistemas de saúde em conjunto com a sociedade civil revisem tudo relacionado a patentes de medicamentos, seus custos e barreiras para o acesso igual de todos à PrEP.

Entendemos que o Fundo Estratégico da OPAS para a compra de antirretrovirais tem  por meio de economias de escala a possibilidade de comprar medicamentos básicos para a PrEP a preços mais competitivos e justos para a saúde pública. Por exemplo, o tratamento para a hepatite C, tinha um custo aproximado de 10 mil a 30 mil dólares por ano. Agora estamos falando de muito menos do que 300 dólares em alguns países.

Quando começamos o tratamento antirretroviral (ARV) em 1996 foi-nos dito que o “coquetel” era impagável. O custo por volta do ano 2000 foi da ordem de 10 mil dólares por pessoa ao ano. Agora, uma combinação de ARV está na faixa de US$ 100 por ano. Então, ele deixou de ser um luxo para poucos. Tudo isso com a produção de medicamentos genéricos que fizeram os preços mais competitivos e estratégias de compras conjuntas.

Devem haver políticas públicas que continuem priorizando a prevenção com as novas tecnologias, cujo acesso igualitário é um direito fundamental para o benefício de todos e da saúde pública. Entre estas novas tecnologias em estudo estão os anéis vaginais com PrEP e o PrEP injetável de longa duração. Os anéis darão às mulheres a capacidade de lidar com a prevenção de forma mais autônoma, o que impacta positivamente sobre a igualdade de gênero. Também há fortes evidências da eficácia do uso da PrEP sob demanda, ou seja,  nos casos em que as tomam dois comprimidos no dia da relação sexual, se eles puderem se antecipar, e um comprimido nos dois dias posteriores. Esta abordagem ainda não foi recomendada pela OMS e tampouco serve para todos os usuários. Mas é claro que a prevenção com o uso de ARVs abre uma oportunidade catalizadora para conter o HIV.

E na América Latina, muitos ativistas estão trabalhando sobre a questão da PrEP no contexto acima, no entanto, temos muitas questões pendentes e precisamos começar essa discussão agora, para que se torne uma realidade para todos o mais rápido possível. Nós temos um terreno fértil e podemos agora, mais do que nunca, garantir que a PrEP seja incluída dentro da prevenção combinada na saúde pública.

 

Para mais informações sobre PrEP: Sobre la PrEP: entre avances y desafíos

Veja também conteúdo produzido pelo UNAIDS no Brasil aqui.

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